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estruturadas, quem deve ou pode persegui-los e como (por exemplo, os<br />
fins devem ser os da “cultura popular” ou da “cultura regional” ou da<br />
“cultura nacional” ou da “cultura ariana” ou da “cultura proletária” ou os<br />
desta ou daquela cultura étnica ou desta ou daquela cultura de gênero,<br />
como hoje eufemisticamente se diz quando a intenção é referir-se aos<br />
sexos ou às opções sexuais; e quem deve buscar esses fins são estes ou<br />
aqueles, ou esta e aquela classe social, e deste ou daquele modo).<br />
Retornando, é da passagem e da redução da cultura como ação à cultura<br />
como estado que se produzem as tragédias culturais, existenciais,<br />
pessoais e coletivas (os conflitos étnicos no Kosovo, por exemplo). E<br />
muitos dos estudos antropológicos, etnológicos e sociológicos<br />
frequentemente contribuem para essa tragédia ao proporem<br />
descrições culturais que se apresentam elas mesmas (explicitamente<br />
ou que como tais se propõem ou permitem serem consideradas) como<br />
programas de reprodução cultural, isto é: esta cultura estudada nestas<br />
condições e neste tempo assim se mostra, assim é, e portanto assim deve<br />
ser. Por vezes, esse tipo de enfoque nesses estudos é intencional: esse é<br />
o partido assumido conscientemente pelo pesquisador. Outras vezes,<br />
esse quadro surge como consequência do método empregado: a cultura<br />
como ação deveria ser apanhada, estudada por um método em ação,<br />
por um método-ação; ora, os métodos geralmente são um estado e o<br />
conflito entre eles e seu objeto, quando esse objeto é uma ação, tornase<br />
inevitável. Deixar visível a cultura como ação requer um esforço<br />
metodológico suplementar, algo que frequentemente não se consegue<br />
e que ainda mais frequentemente não se quer conseguir...<br />
Numa linha que se não é contínua à de Boas lhe é em todo caso<br />
paralela, B.K. Malinowski (1884-1942) faz uma proposta de trabalho<br />
proveitosa para os que além de compreender o processo cultural<br />
pretendem atuar sobre ele. Adotando uma análise funcional da cultura,<br />
Malinowski sugere que se deve entender uma cultura no presente, no<br />
seu presente, e não remontar a suas origens ou àquilo que se presume<br />
serem ou terem sido suas origens — operação esta ineficiente e no<br />
fundo sem base pois o que nesse caso se propõe como origem de uma<br />
cultura não é um objeto suscetível de prova científica. Cada costume,<br />
cada prática, cada crença tem uma certa função ou tarefa a cumprir<br />
num dado quadro cultural e é isso que o estudo deve captar se a<br />
intenção for facilitar o processo de transformação cultural (supondo,<br />
por certo, que a transformação é não apenas inevitável, como o<br />
demonstram os atuais tempos globalizados, como desejável).<br />
A abordagem funcionalista da análise cultural centrada no presente<br />
é a única que o pesquisador, antropólogo ou outro, pode realizar de<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 23<br />
A <strong>CULTURA</strong> NO<br />
PRESENTE