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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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atentado, a declaração de Stockhausen e as reações dos que se lhe<br />

opuseram destamparam o caldeirão em que a cultura ferve como um<br />

magma de ambiguidades, contradições e paradoxos. A tampa, claro,<br />

foi imediatamente recolocada sobre essa grande panela antropofágica<br />

— esta sim, realmente antropofágica — e preferiu-se abafar o escândalo<br />

do efeito Stockhausen com o escândalo, esse já suficientemente enorme,<br />

do atentado físico às torres gêmeas. E por hábito e comodismo, por<br />

ingenuidade e desconhecimento, por oportunismo e falta de<br />

alternativas, insistiu-se em continuar a ver a cultura como o grande<br />

capital de positividades à disposição do indivíduo e da sociedade — o<br />

que ela pode eventualmente ser, sem que, no entanto, nesse processo<br />

ela arraste consigo a arte.<br />

A ocasião é boa demais para deixar passar em branco a rediscussão<br />

do lugar e do sentido da cultura — e por contraposição, da arte. A<br />

cultura de fato é, por enquanto, o último recurso comum das sociedades<br />

chamadas ocidentais no século 21. É preciso insistir que assim seja: um<br />

dique contra o obscurantismo da religião, da ideologia e da economia,<br />

alavanca da governabilidade laica, republicana, e de uma qualidade de<br />

vida que preserve o mundo. Dificilmente ela poderá desempenhar essa<br />

função, porém, se sua rede de paradoxos e sua negatividade continuar<br />

a ser ignorada ou minimizada — em outras palavras, se continuar a ser<br />

vista e tratada em sua versão simplificada. Procedendo por analogia ao<br />

redor de uma consideração de Nietzsche, a história, a crítica e a política<br />

cultural, em particular nas últimas décadas, têm-se contentado com<br />

conceitualizar a cultura a partir de sua dimensão exterior (das funções<br />

instrumentais imediatas que pode exercer, do papel que se lhe pode<br />

atribuir desde vários pontos de vista muito localizados) em lugar de<br />

vê-la e acioná-la ou estimulá-la, em todos seus recantos e componentes,<br />

a partir de suas contradições internas e próprias — o que quase significa<br />

dizer: em lugar de vê-la como algo vivo.<br />

Este livro busca apanhar a cultura contemporânea em algumas de<br />

suas manifestações contraditórias — entre elas, o grande contraditório<br />

da cultura que é a arte, aquilo que acima de tudo se busca domesticar<br />

— e figurá-la ali em seus pontos cegos, aqueles pontos, como sugere<br />

Terry Eagleton, onde a cultura encontra, dentro de si, seu contrário (ou<br />

seu duplo) ou ali onde deixa de ser aquilo que é e que aparentemente<br />

é — em seus cruzamentos com aquilo dela que aparentemente não é<br />

ela mas que, claro, é ela também. O primeiro capítulo percorre os<br />

sentidos habituais que se atribui à palavra cultura para destacar aqueles<br />

que são relevantes para o estudo da cultura hoje em sua condição de<br />

instrumento do desenvolvimento humano (o que é outro modo de<br />

12 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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