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contraponto à crença dita ocidental e civilizada de que o Uno é o Bem.<br />
Mas, deve servir para lembrar, pelo menos, que a ideia de que o Uno é<br />
o Bem não é a única ideia possível. Os movimentos da sociedade civil,<br />
como a rede de celulares espanhóis que em março de 2004 acabou de<br />
derrotar um governo já batido, ao lado das flutuações, das migrações,<br />
do nomadismo do qual Michel Maffesoli faz o elogio, da mestiçagem e<br />
do hibridismo de Nestor G. Canclini, são a força cultural de libertação e<br />
florescimento não mais apenas do indivíduo mas do sujeito e da<br />
subjetividade — no dizer radical de Negri, são mesmo a força a ser<br />
usada contra a subordinação a ideologias reacionárias como a nação, a<br />
etnia, o povo e a raça. Esse Estado que quer uma cultura una já se<br />
dissolveu, sem que o admita, no rio-corrente da história. A insistência<br />
em arcaicos paradigmas culturais é sinal do profundo desconhecimento<br />
do que seja a dinâmica cultural no início do século 21 por parte dos que<br />
hoje se instalam nos aparelhos de Estado. Talvez seja, pelo contrário,<br />
um sinal de compreensão apropriada do que ocorre hoje na cultura e<br />
uma vontade de contrariá-la intencionalmente na busca não apenas<br />
do poder como da manutenção no poder por parte de uma sociedade<br />
agora negada cada vez mais, por toda parte: a sociedade política.<br />
Nenhuma das duas hipóteses é elogiosa para os implicados.<br />
Essa dinâmica cultural é de fato complexa e aberta à incompreensão,<br />
para além de seu caráter já por si incerto e pleno de paradoxos. Não é<br />
fácil, porém, determinar em que medida essa incompreensão, geradora<br />
de distorções, deriva da simples crença de que a questão da cultura<br />
está inteiramente aberta aos palpites dos não-especializados ou de<br />
uma aposta ideológica específica e determinada, nos dois sentidos<br />
desta palavra. Dizendo isso, penso na questão da diversidade cultural.<br />
Mesmo quando aparece nos documentos mais esclarecidos produzidos<br />
por ramos esclarecidos da sociedade política por vezes mais avançada,<br />
sob algum aspecto, como a UNESCO, costuma-se implicitamente (e<br />
muita coisa fica estrategicamente implícita quando se fala de cultura...)<br />
entender que a diversidade de que falam as cartas e convocações que<br />
hoje se difundem por toda parte é uma diversidade de grupos, de<br />
coletivos e de grandes coletivos que no limite identificam-se outra vez<br />
às... nações, quando não aos Estados. De tal forma que garantir a<br />
diversidade cultural, nesse entendimento, seria uma operação dos<br />
Estados, cuidando outra vez cada um do seu, do seu próprio, do seu<br />
que lhe é supostamente específico. Em outras palavras, o que se faz é<br />
entender que proteger a diversidade é proteger a identidade e uma<br />
identidade, esta identidade deste território, quando aquilo que de fato<br />
se trata é da proteção e da estimulação de toda a diversidade, de toda<br />
UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 79<br />
UMA <strong>CULTURA</strong><br />
DE PARADOXOS<br />
DIVERSIDADE<br />
<strong>CULTURA</strong>L<br />
E A<br />
DIVERSIDADE<br />
PERVERSA<br />
DIVERSIDADE<br />
E<br />
SUBJETIVIDADE