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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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sua validade atemporal (algo inaceitável, por certo, mas admissível aqui<br />

a título de argumentação). Uma ética transcendente porque se pretende<br />

universal pelo menos dentro do particular que é o grupo a ela vinculada<br />

(“os brasileiros são assim”, “os argentinos são assim mesmo”, “aqui está<br />

a brasilidade”, “aqui está a americanidade”) (embora certas éticas se<br />

queiram realmente transcendentais no sentido universal, como aquela<br />

religião que se vê como a única válida para toda a espécie humana:<br />

nesse sentido, essa ética é também uma moral no sentido vulgar<br />

que a palavra moral tem: propõe-se como o bem, como o bom,<br />

como o valor positivo). A ética da obra de arte é de todo imanente:<br />

vale, funciona, opera apenas dentro da esfera de presença da obra<br />

correspondente: não é uma ética para o outro; sob esse aspecto, o<br />

outro lhe é literalmente indiferente — isso quando a ética de uma<br />

obra de arte não é na verdade uma oposição ao outro, não é agressiva<br />

com relação ao outro: a arte da modernidade foi uma arte feita<br />

contra a modernidade, contra a sociedade, contra o homem daquele<br />

momento, isto é algo que não se pode esquecer e que no entanto já<br />

foi esquecido; a ética da obra de arte é ética singularista, é uma ética<br />

interior, formal e formalista: não vale para outro (não pode valer<br />

para outro criador, pelo menos, dentro do atual código para a arte)<br />

e não busca aplicar-se a ele (alguns filmes que no entanto são “de<br />

arte” de algum modo embutem uma ética que se propõe para o<br />

outro: há aí uma infração à ética da obra ela mesma, uma infração e<br />

portanto uma manipulação: é quando a obra de arte se transforma<br />

em obra ideológica de arte, uma contradição nos termos). A<br />

consequência é clara: o programa para a obra de cultura, do ponto<br />

de vista da ética, é sociológico (uma política cultural social e<br />

sociológica): nem filosófico chega a ser: sociológico: por exemplo, A<br />

história social da literatura e da arte, de Arnold Hauser, constitui um<br />

programa sociológico para a literatura e arte (o que significa que é um<br />

programa que quer transformar a arte em cultura): o programa para a<br />

obra de arte só pode ser estético 69 . A quase totalidade das políticas<br />

culturais é de natureza sociológica: firma-se em valores como<br />

democratização de acesso, quantidade de pessoas atendidas, origem<br />

social do criador e do público, finalidade social do programa etc. Um<br />

programa cultural (uma política cultural) de natureza estética não é<br />

uma impossibilidade — mas é certamente um incômodo, por romper<br />

ideias feitas sobre cultura e arte (ou ideias sobre cultura e arte firmadas<br />

69 Outra vez, o sentido de “estético” neste texto deve ser depreendido dos estudos semióticos<br />

de Charles S. Peirce (cf., por exemplo, Semiótica, informação, comunicação, São Paulo:<br />

Perspectiva).<br />

“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 147

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