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ela. A diversidade da cultura nesta época deve ser entendida em seu<br />
sentido mais radical, porque diversidade não apenas de um território<br />
em relação a outro território exterior como no interior do próprio<br />
território, da própria nação, do próprio Estado — e esta não é uma<br />
diversidade dos grandes grupos mas das singularidades. Singularidades<br />
que podem formar um conjunto e se reforçar nesse conjunto mas que<br />
nem por isso deixam de ser singularidades. Ao contrário do que foi a<br />
regra antes de maio de 68, mesma regra que pela específica situação<br />
da ditadura brasileira esteve também em vigor por aqui, já é hoje<br />
possível recorrer a uma outra palavra com o mesmo sentido de<br />
singularidade porém com marca e conteúdo mais forte. Não se trata<br />
mais do coletivo, nem do indivíduo que nada mais é que a unidade do<br />
coletivo, mas do sujeito e de sua subjetividade, que não é nunca<br />
individual porém, pelo contrário, divisível constantemente. A<br />
subjetividade é o vetor da diversidade, como a arte sabe muito bem, e<br />
no cerne do dispositivo de formação da subjetividade está aquilo que<br />
Antonio Negri descobriu tardiamente: o internacional, o global. Digo<br />
tardiamente (e antes tarde que nunca, claro) porque o internacional<br />
sempre esteve no programa da arte (embora não necessariamente no<br />
da cultura, é certo) que foi reiteradamente combatido pelas mais<br />
diferentes instituições, entre elas a igreja e o Estado além daquela mesma<br />
ideologia que o próprio Negri esposou tão fanaticamente nos anos 70<br />
e que agora ele revê. 44 Mesmo para os que enxergam a diversidade e a<br />
necessidade da diversidade é difícil admitir, por trás dela, na qualidade<br />
de sua mola e sua meta, a subjetividade — e fica-se outra vez nessa<br />
condição esquizofrênica, comum na cultura, que é a admissão e a<br />
promoção da diversidade desde que ela se conforme ao formato dos<br />
grandes coletivos nacionais e estatais que por <strong>def</strong>inição... repelem a<br />
diversidade. O desconhecimento do internacional e do cosmopolita<br />
como núcleo de constituição da subjetividade contemporânea leva<br />
mesmo o atual ministro da cultural do Brasil, um ministro de resto até<br />
aqui bastante iluminado, a lamentar que a arte contemporânea<br />
brasileira se mostre, nos termos do ministro, elitista por rejeitar as<br />
supostas características nacionais...<br />
A política cultural da contemporaneidade marcada pela pluriemergência<br />
da sociedade civil tem então de levar em conta essa<br />
multiplicidade de subjetividades. Pode fazê-lo? É viável uma política<br />
cultural para as singularidades, desde a perspectiva em que se coloca o<br />
44 Antonio Negri esteve envolvido com as Brigadas Vermelhas na Itália e seus atos de<br />
terrorismo, o que lhe valeu prolongado exílio na França e uma pena de prisão ao retornar<br />
a seu país em 1997.<br />
80 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>