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A<br />
DESCENTRALIZAÇÃO<br />
<strong>CULTURA</strong>L<br />
orientar, não a ação do Estado, mas a representação da ação do Estado,<br />
e que é cobrado, mais que o próprio grupo ministerial, quando essa<br />
representação não funciona e o povo protesta: nessas ocasiões, não se<br />
muda a ação mas se muda, sim, o marketing político, as imagens do<br />
marketing político. Os sinais dessa deterioração estão por toda parte<br />
— e a sociedade civil também começa a aparecer por toda parte.<br />
No campo da cultura, os papéis do Estado e da sociedade civil<br />
tornam-se sempre mais nítidos, de uma forma talvez impossível há<br />
algum tempo — tanto aqueles papéis que não mais têm sentido quanto<br />
os novos que se esboçam. No passado, como lembra Antonio Negri 39 , a<br />
soberania nacional era afirmada pelo Estado, entre outras coisas, por<br />
meio do monopólio do poder exercido tanto no campo das relações<br />
internacionais quanto no âmbito de um território <strong>def</strong>inido e unido por<br />
uma cultura única. Essa soberania hoje, na totalidade dos países periféricos,<br />
que são todos menos oito, conforme a autoproclamação não de todo<br />
injustificada do G-8, é vastamente inexistente. Para os periféricos, a<br />
soberania simplesmente desapareceu no campo internacional, onde seus<br />
simulacros de exércitos nada podem, e mantém-se ainda, de modo<br />
absolutamente precário, dentro do território nacional, e mesmo assim<br />
para ser contestada incessantemente pelos traficantes de todo tipo, pelos<br />
contrabandistas (inclusive pelo microcontrabandista familiar) e pelos<br />
múltiplos autores dos chamados crimes do colarinho branco que têm à<br />
sua disposição a desmedida rede da movimentação bancária irrestrita.<br />
Os Estados, em especial os subdesenvolvidos, não têm mais tampouco<br />
o poder de cunhar moeda ou, dito de outro modo, tornaram-se, eles<br />
mesmos, falsificadores de moeda, falsificadores da própria moeda: o papel<br />
que imprimem não tem,na quase totalidade dos casos, nenhum significado<br />
internacional e nem mesmo nacional diante do único dinheiro que ainda<br />
conta: aquele de cor verde. E o Estado perdeu também o último reduto<br />
que o legitimava pelo menos como representação imaginária: o da<br />
exclusividade cultural. Assim como o Estado não consegue manter<br />
controle sobre a totalidade de seu território e sobre as forças<br />
antagônicas que nele se movimentam, do mesmo modo não consegue<br />
manter sua centralidade cultural porque é atravessado incessantemente<br />
por fluxos culturais contrários e contraditórios sob todos os aspectos,<br />
inclusive o linguístico, que dele retiram todo o poder que um dia teve<br />
de comparecer como figura hegemônica do processo cultural. O Estado-<br />
Nação era sobretudo um território, uma língua, uma cultura,<br />
frequentemente uma etnia. Hoje, a desterritorialização das culturas é<br />
um fato e a primeira consequência que acarreta, embora isso não se<br />
37 5 lições sobre o império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.<br />
74 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>