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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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a de Paul Joseph Goebbels (ele tinha nome e sobrenome) dizendo<br />

aquela frase conhecida quando ouvia pronunciada à sua volta a palavra<br />

cultura. Não importa se ele de fato a pronunciou e se o fez sob aquela<br />

forma ou outra: importa a imagem que dele subsiste e que de alguma<br />

forma representa um modo de entender a cultura (o imaginário é a<br />

única coisa que realmente conta, é bom lembrar). E não se trata de<br />

imagem excessivamente distinta daquela fornecida pelos bolcheviques,<br />

quem sabe apenas ainda mais extremada. Recordo-a hoje porque se<br />

políticos, prelados e empresários, inclusive de esquerda, não mais sacam<br />

seus revólveres ou brandem seus artefatos religiosos, sejam eles livros<br />

sagrados, crucifixos ou qualquer outra coisa, quando ouvem a palavra<br />

“cultura” — o que é um enorme progresso, não devemos ser cínicos quanto<br />

a isso — mesmo assim não deixam de desconversar e olhar para o lado se<br />

a escutam mencionada. Já é um grande avanço porque uma outra etapa<br />

foi superada nesse percurso: aquela em que, ao ouvir a palavra irritante,<br />

esboçavam um condescendente, irônico e não tão furtivo sorriso: não<br />

é mais possível fazê-lo hoje, pelo menos não em público.<br />

Esta representação da cultura, em suas duas vertentes, ainda<br />

continha em si uma dimensão da violência cuja evidência tornou-se<br />

irretorquível à medida em que o século avançava: a da fusão da cultura,<br />

tanto em seu sentido de instrumento de ação política imanente quanto<br />

em seu significado de uma entidade abstrata e absoluta, com seu<br />

equivalente prático, o Estado — fusão que será, acaso, a forma máxima<br />

da cultura como violência. Nisso coincidiram tanto os revolucionários<br />

bolcheviques quanto alguém que lhes seria o oposto perfeito, o idealista<br />

Matthew Arnold, para quem cultura era luzes e espiritualidade 51 ...<br />

Ambas imagens desta representação são eloquentes de uma ideia<br />

da cultura como algo incômodo e talvez nefasto e que, por sua vez,<br />

tem de ser reproposta praticamente nos mesmos termos daquela que<br />

se quer substituir, isto é, nos termos da violência — e não apenas uma<br />

cultura em particular como, eventualmente, toda cultura tal como<br />

tradicionalmente reconhecida nas formas consagradas ditas “eruditas”,<br />

traduzidas nas obras de literatura, teatro, artes, música. Os demais<br />

formatos culturais, destacadamente os populares ou folclóricos (nos<br />

quais os intelectuais, sob o império desta representação da cultura,<br />

eram aconselhados a buscar a verdade básica da nova sociedade)<br />

passaram ao longo do século 20 a ser mais bem aceitos em todas as<br />

esferas e por todas as ideologias...<br />

A estas duas figuras contrapõe-se uma terceira, permeando toda<br />

uma sociologia moderna e contemporânea emblemática do desejo de<br />

51 Essays in Criticism. Londres: Dent, 1964.<br />

90 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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