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governo, pelo voto, de um partido político de esquerda mas o<br />
aparecimento e a consolidação da sociedade civil. A sociedade civil não<br />
é o oposto da sociedade militar que sofremos durante 20 anos, como<br />
de um modo ou de outro se costumava pensar ao longo dessas mesmas<br />
duas fatídicas décadas. A sociedade civil é a que contrasta a sociedade<br />
política, esse conjunto que inclui o Estado com suas instituições (o<br />
executivo, o judiciário, o congresso, as câmaras de vereadores, as<br />
empresas estatais ou de economia mista, a escola) e os partidos<br />
políticos. Não cabe aqui a discussão dos motivos pelos quais isso<br />
aconteceu (se o Estado foi corroído pelo ataque do “mercado”, se a<br />
realidade contemporânea é demasiado complexa para ser entregue à<br />
manipulação isolada do Estado, se há um esgotamento próprio dessa<br />
forma de autogoverno, se tudo isso em conjunto). O fato é que a<br />
sociedade civil organizou-se a si mesma para apresentar-se como um<br />
ator social decisivo e enfrentar uma série de questões, entre elas a do<br />
próprio Estado e as relativas ao meio ambiente, à educação, à saúde,<br />
aos direitos humanos, aos direitos civis, à cultura... Esta faixa temporal<br />
dita pós-moderna, se assim se preferir, está marcada, como se diz já de<br />
modo clássico, pela falência da “grandes narrativas” (a da religião, pelo<br />
menos no ocidente e por ora; a da ideologia; a do próprio Estado,<br />
embora laico e republicano), pela complexidade, pela deriva ou flutuação<br />
dos processos culturais, pela globalização da comunicação e das<br />
experiências, pela ascendência do risco em todas as latitudes e<br />
longitudes (aumento da incerteza social com o fim do Estadoprevidência,<br />
aumento da violência urbana, aumento do terror políticoreligioso-identitário-econômico...).<br />
Mas, não apenas isso caracteriza a<br />
pós-modernidade que se esboça a partir dos anos 60 do século 20:<br />
acima de tudo isso, como reflexo disso tudo e ao mesmo tempo causa<br />
de tudo isso, surge a ascendência da sociedade civil (outro modo de<br />
dizer que as pessoas se organizam das mais diferentes formas não<br />
mais e não apenas para se fazerem ouvir mas para intervir, agir, pôr as<br />
mãos — e se organizam por etnias, por preferência sexuais, por metas<br />
civis, por projetos sociais, por uma miríade de monomanias como<br />
poderia dizer algum utopista em desuso). Dito de outro modo, o que<br />
se distingue agora claramente é o poder cada vez mais intensificado de<br />
todos e cada um dos atores sociais individualizados, com a consequente<br />
retração das estruturas sociais clássicas (apesar da luta que lhes move<br />
o Estado — e todos os Estados, de todas as cores políticas, uma vez<br />
que, como está hoje sobremaneira nítido, a primeira meta do Estado e<br />
do governo dentro do Estado é sua própria manutenção, no primeiro<br />
caso, e sua manutenção no poder, no segundo, muito mais e muito<br />
44 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>