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eferente é bem menos necessário do que propõe o cultural. O cultural<br />
não se faz pela desconstrução mas pela construção; e o cultural não<br />
interrompe, não se interrompe, mas repete: entre ele e seu referente<br />
não há porém uma relação de qualidade (icônica) necessária nem uma<br />
relação de proximidade (indicial) tão forte como supõe. O cultural<br />
acredita ser, nos termos da semiótica, um qualissigno (um signo que<br />
reproduz uma qualidade da coisa, um signo dotado de iconicidade)<br />
eventualmente simbólico ou então um sinsigno (um signo singular,<br />
que funciona numa circunstância específica, numa ocasião<br />
determinada, e que tem indicialidade) simbólico quando de fato é o<br />
exato oposto: é predominantemente um legissigno (uma convenção,<br />
um simbolismo por convenção) icônico ou um legissigno indicial, quase<br />
sempre. A arte, inversamente, é, sim, primeiro um qualissigno (na arte<br />
contemporânea, frequentemente um sinsigno, como no caso de uma<br />
instalação) e depois, acaso, um qualissigno simbólico, um sinsigno<br />
simbólico.<br />
Nesses termos, o que no limite distinguirá entre o cultural e a arte<br />
será seu programa de elaboração: o cultural é programático: <strong>def</strong>inemse<br />
os passos, cumprem-se as etapas, obedecem-se os princípios<br />
firmados e consegue-se o resultado desejado. O programa para a arte<br />
é pragmático, empírico: os passos são incertos, tentativos, não há<br />
princípios orientadores (receita), não se sabe se o resultado alcançado<br />
é o desejável, nem se é desejável, nem se ocorrerá.<br />
MITO verdade revelada afirmativo proposta reveladora propositivo<br />
Por trás do cultural aninha-se (ceva-se) o mito da verdade revelada:<br />
“essa é nossa verdade, assim é nossa identidade, <strong>def</strong>inida desde sempre<br />
e para todo o sempre (que sorte a nossa tê-la descoberto!) e que assim<br />
será por todos os séculos, não mexamos nela ou nosso destino se<br />
interromperá tragicamente”. É um totem e um tabu. Ou: “o carnaval é<br />
assim”, “o carnaval se faz assim e de nenhum outro modo”, “o samba e<br />
carnaval é deste modo, não de qualquer modo”. De seu lado, a arte<br />
propõe algo que pode revelar alguma coisa. Ou não. O programa para<br />
o cultural não tem como não ser afirmativo: é assim que se faz (exemplo,<br />
se faz com tantos minutos de duração ou tantas horas, com tantas<br />
partes e com tal tipo de música e não com outro). O programa para a<br />
arte é nada mais que propositivo: arte pode-se fazer assim mas podese<br />
fazer deste outro modo e daquele outro, e se vê assim e também<br />
deste outro modo e daquele outro modo. O programa para o cultural<br />
é um, o programa para a arte são inúmeros.<br />
“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 137