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<strong>CULTURA</strong>S,<br />
NÃO A<br />
<strong>CULTURA</strong><br />
<strong>CULTURA</strong><br />
COMO ESTADO,<br />
<strong>CULTURA</strong> COMO<br />
AÇÃO<br />
como nitidamente (para dizer o menos) contraproducentes, resultam<br />
desse entendimento particularista da cultura que tem como um de<br />
seus focos os intelectuais alemães do século 18, e apesar de toda sua<br />
produção sob tantos outros aspectos interessante.<br />
O relativismo cultural que hoje se conhece deriva indiretamente<br />
daí e, diretamente, das proposições de Franz Boas (1858-1942): cada<br />
cultura tem um valor próprio a ser reconhecido, um estilo específico<br />
que se manifesta na língua, nas crenças, nos costumes, na arte e que<br />
veicula um espírito próprio (a identidade), cabendo ao etnólogo<br />
estudar as culturas (não a Cultura) e, mais do que verificar em quê<br />
consiste uma dada cultura, apreender o elo que une um indivíduo a<br />
uma cultura. O conhecimento desse elo — sua estrutura, seus limites,<br />
seu alcance — é importante para a política cultural , não porém (não<br />
mais, em todo caso) com o objetivo habitualmente identificado nesse<br />
empreendimento e que é aquele de reproduzir esse elo, reforçá-lo,<br />
preservá-lo, conservá-lo, restaurá-lo. Em todo caso, não apenas com<br />
esse objetivo, como se verá mais adiante. É que essa modalidade de<br />
operação com o cultural conduz quase inevitavelmente, na história<br />
mais remota como na mais recente, a políticas normativas (o que é e<br />
como deve ser uma cultura) quando o que de mais proveitoso se poderia<br />
fazer seria a elaboração de estudos descritivos de uma cultura na condição<br />
em que ela se encontra agora, não como ela foi e muito como menos como<br />
será ou deverá e deveria ser. Os entendimentos normativos da cultura<br />
desembocam inelutavelmente na concepção da cultura como um estado<br />
(como uma estação, uma permanência, no limite uma estagnação),<br />
portanto na cultura como um dever ser — e daí derivam todas as tragédias<br />
(“a cultura ariana é isto”, “a cultura burguesa é aquilo” , “a cultura operária<br />
é isso”, “a cultura brasileira é tal e somente tal”) — quando a meta que<br />
se propõe com dignidade é a da cultura como ação, a cultura aberta ao<br />
poder ser no sentido de experimentar ser uma coisa ou outra e<br />
experimentar ser uma coisa e outra, livre de toda restrição ou imposição.<br />
A tragédia mora aí: na passagem, na redução da cultura como ação à<br />
cultura como estado. Aliás, a noção contemporânea de ação cultural é<br />
condizente com a visão mais ampla da cultura como ação: o objetivo da<br />
ação cultural (a meta de toda política cultural) é a criação das condições<br />
para que as pessoas inventem seus próprios fins. Algo mais fácil de falar<br />
que de fazer, sem dúvida. Que Estado moderno ou contemporâneo<br />
aceita uma política cultural assim <strong>def</strong>inida? Poucos, se algum. Pelo<br />
contrário, as políticas culturais públicas têm preliminarmente <strong>def</strong>inidos<br />
desde logo, na maior parte do tempo para a maior parte dos territórios<br />
nacionais, os fins a serem perseguidos pelas condições para tanto<br />
22 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>