10.05.2013 Views

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

outro e do outro que passou, como na concepção de inúmeros poetas<br />

(Rimbaud, Baudelaire), ou ser um contemporâneo histórico de si mesmo e<br />

de seu tempo muito mais e muito além do que ser simplesmente um<br />

contemporâneo filosófico de seu tempo (o que significa, neste segundo<br />

caso, compreender conceitualmente seu tempo mas sem vivê-lo<br />

existencialmente, como aparece na crítica feita por Karl Marx (1818-<br />

1883) a seus próprios contemporâneos e à filosofia alemã de seu<br />

tempo). Essa minha disposição, que de início pode ser considerada<br />

uma disposição estética, duplica-se (reforça-se, justifica-se) num segundo<br />

momento com os termos de uma disposição psicanalítica (não menos<br />

moderna, e tipicamente moderna): mudar sempre, não repetir o<br />

passado, para não alienar minha personalidade e minha consciência a<br />

alguém ou a alguma coisa que passou e que me são estranhas, quer<br />

dizer, a essas estruturas estruturantes de que fala Bourdieu; em outras<br />

palavras, mudar sempre, repelir o hábito, para que eu não viva<br />

inconscientemente a vida de uma outra coisa, de um outro tempo, de<br />

uma outra pessoa, de uma outra estrutura, para que eu não use de<br />

modo inconsciente (de modo não-proprietário), por exemplo, a linguagem<br />

(a linguagem cotidiana mas também uma dada linguagem artística) —<br />

para que eu não use de modo inconsciente a linguagem de outro, para<br />

que eu me apodere de minha própria linguagem (no sentido em que<br />

Roland Barthes, 1915-1980, falou do homem contemporâneo como<br />

alguém que habitualmente não fala a língua mas é falado pela língua,<br />

isto é, como alguém que apenas serve de suporte passivo para um<br />

sistema de valores embutido na linguagem habitual que sobrevive e<br />

se reproduz por meio do homem muito mais do que se apresenta<br />

como elemento ao qual esse homem poderia recorrer para enunciar<br />

suas próprias ideias e sensações, que assim quase nunca de fato são<br />

suas...). E, finalmente, essa minha disposição duplica-se ainda de uma<br />

roupagem filosófica (disposição filosófica que será acaso ainda moderna<br />

porém, é mais provável, já pós-moderna), aquela pregada por Ludwig<br />

Wittgenstein (1889-1951) para quem é sempre preciso pensar de outro<br />

modo. Se for preciso pensar sempre de outro modo — e é preciso fazêlo,<br />

ainda que para num segundo momento retornar ao modo anterior<br />

(mas, depois de pensar alguma coisa sob outro ângulo nunca se retorna<br />

exatamente ao mesmo ângulo anterior sob o qual essa coisa era vista...)<br />

— o hábito cultural, o habitus, torna-se sempre mais irrelevante e<br />

impertinente. Não há como ser neutro, equidistante, “científico” ou<br />

“relativo”, aqui — numa palavra, não há como ser leniente ou<br />

condescendente. Montesquieu (1689-1775) foi bastante claro ao<br />

escrever um ensaio sobre o gosto para a Enciclopédia dos iluministas: a<br />

30 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!