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existenciais. Isso nem a arte garante. Não nos iludamos sobre nenhuma<br />
dessas coisas. E esta seria uma representação particular, uma<br />
representação tentativa da “cultura”, vista como um recipiente para o<br />
conteúdo privilegiado que é a arte, diante da violência e mesmo sem<br />
pensar na violência.<br />
Num ponto quero insistir: a identidade perfeita entre a cultura<br />
objetivada e a cultura subjetiva não deve ser alcançada. Não é que<br />
não pode: não deve ser alcançada. Poder, pode: os estados totalitários<br />
leigos ou religiosos buscam e conseguem essa identidade, ainda<br />
que, felizmente, por algum tempo, não o tempo todo. Isso não me<br />
interessa e disso fujo com horror. Para evitá-la, a culturalização de<br />
todas as categorias de ver o mundo e inserir-se na vida deve abrir<br />
largo espaço para a arte. Cultura é a regra, a arte é a exceção, como<br />
Godard insiste em dizer em suas imagens. Arte não foi feita para<br />
promover a exclusão da violência, nem a inclusão social, como hoje<br />
se prefere afirmar num discurso simplista que ostenta tanto um<br />
desconhecimento do processo cultural mais amplo quanto uma<br />
vontade de controlar a arte e seus efeitos. Pelo menos, não a arte<br />
moderna e a arte contemporânea. Na política cultural há um jogo<br />
delicado entre a cultura e a arte. Apostar tudo na cultura é perder o<br />
jogo maior, talvez o único que interessa. Jogar todas as fichas na<br />
arte é passar ao lado da cultura comum, se ela pode existir e nos<br />
limites estreitos em que é desejável. O que se sabe de concreto é<br />
que todos os regimes totalitários, leigos ou religiosos, insistem na<br />
cultura e temem a arte. É uma pista...<br />
Resta saber, apesar disso, como transformar em prática aquilo que<br />
deste edifício cultural pode ser transformado em prática, e que começa<br />
pela arte. Afinal, um mundo ocupado pela cultura e pela arte ainda é<br />
melhor que um mundo sem isso e tomado pelo lixo da publicidade,<br />
pelo divertimento rasteiro, pela ignorância e pelo fechamento geral<br />
dos espíritos. O caminho para isso é longo e estamos atrasados em<br />
relação à cultura ecológica, embora talvez possamos aproveitar de sua<br />
experiência.<br />
Tão atrasados que neste momento, em Austin, a Texas Conservative<br />
Coalition, uma ONG de orientação conservadora como diz seu nome,<br />
<strong>def</strong>ende, em sua recente proposta de política pública (“<strong>TC</strong>CRI State<br />
Finance Task Force Report: A Roadmap to Responsible Reform”) uma<br />
série de medidas para combater a crise orçamentária do estado do<br />
Texas com ações que incluem a abolição da Texas Commission on the<br />
Arts, reforma não apenas de todo irresponsável, ao contrário do que o<br />
título da proposta sugere, como também suicida. Ao contrário da<br />
<strong>CULTURA</strong> E NEGATIVIDADE 107