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UMA AGENDA<br />
21 PARA A<br />
<strong>CULTURA</strong><br />
esquerda, os conservadores sempre reconhecem o poder da arte e<br />
estão dispostos a perecer com ela ou à falta dela antes de curvar-se a<br />
ela...<br />
A primeira coisa seria organizarmo-nos (e como somos<br />
desorganizados e desmobilizados, nesta área...), organizar os que vêem<br />
na política cultural um instrumento privilegiado de governabilidade,<br />
empoderamento e qualidade de vida. O modelo da Agenda 21,<br />
formulado na conferência do Rio em 1992, pode fornecer alguma<br />
inspiração, ele que, sob o ponto de vista ambiental, vem sendo<br />
transformado em realidade em várias partes do mundo, inclusive do Brasil<br />
mais consciente, como o estado de São Paulo. A cultura ecológica soube<br />
dividir seu objeto de reflexão em partes individuadas bem claras, talvez<br />
por ser mais fácil fazê-lo em sua esfera, e atacá-las sistematicamente. Um<br />
prêmio à cultura ecológica hoje existente no Brasil, atribuído pela revista<br />
Superinteressante e derivado do modelo da Agenda 21 sem dizê-lo<br />
explicitamente, abriu-se em sua versão de 2003 para seis campos precisos<br />
— água, ar, solo, fauna, flora e comunidade — e vai verificar quais as<br />
melhores práticas em cada um. Poderíamos pensar em algo análogo para<br />
a cultura, identificando os campos de intervenção prioritária. Essa<br />
culturalização de todas as categorias de ver e viver a vida e o mundo, com<br />
o instrumento privilegiado que é a arte, poderia assim ser feita a partir de<br />
um modelo que escolhesse como prioritários, por exemplo, a educação<br />
(vastamente desculturalizada num país como o Brasil mas não apenas<br />
nele), a cidade, o divertimento, a representação política (hoje moribunda)<br />
e o pensamento econômico. Outros campos se poderiam acrescentar,<br />
menciono os que me parecem mais evidentes. Formar um Greenpeace<br />
Cultural global, montar uma Agenda 21 da Cultura 54 e começar a investigar<br />
as formas ainda nao <strong>def</strong>inidas pelas quais o cultural pode permear esses<br />
domínios é a tarefa que pode sair deste encontro como plataforma de<br />
ação. Enorme, mas não irrealizável. A cultura ecológica o demonstra.<br />
Eu endossaria uma proposta assim se não a transformássemos numa<br />
operação rasteira de “edificação dos espíritos” ou da “consciência social”<br />
e se deixássemos aberta uma larga porta para o reconhecimento do<br />
54 Este texto foi apresentado em público pela primeira vez em março de 2003 no Institute<br />
of Latin American Studies, da University of Texas-Austin, no contexto de um seminário<br />
sobre a cultura e a violência coorganizado pela Associação Arte sem Fronteiras. Em 8 de<br />
março de 2004, em Barcelona, uma Agenda 21 para a Cultura acabou sendo de fato<br />
assinada, com essa exata denominação, pelo IV Fórum de Autoridades Locales para la<br />
Inclusión Social de Porto Alegre (FAL); seus signatários foram os governos locais de<br />
inúmeras municipalidades, sendo portanto, acima de tudo, uma manifestação da<br />
sociedade política. A respeito, ver mais no capítulo “Por uma cultura em tudo leiga”,<br />
neste volume.<br />
108 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>