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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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Monta-se, abaixo, um quadro inicial 57 das distinções entre cultura<br />

e arte, com base em indicadores cuja pertinência para o objetivo em<br />

vista, parece-me, será desde logo evidente: quem faz arte e cultura (o<br />

sujeito), a quem se destina, o modo sintático de organização do discurso de<br />

uma e outra, a finalidade buscada, a estruturação em relação ao tempo, a<br />

organização do sentido, a socialidade de uma e outra, o mito veiculado<br />

por uma e outra, a ética de cada uma... Primeiro virá o quadro possível,<br />

mais secamente enunciado e, em seguida, os comentários e<br />

justificativas. No quadro, P significará o modo do programa (sua natureza,<br />

seu alcance, sua finalidade etc.; por exemplo, se é um programa social<br />

ou poético ou tecnocientífico, reprodutivo ou experimental etc.) que<br />

desde logo possivelmente corresponde a cada modo da cultura e da<br />

57 Um dos pontos de partida para esta investigação foi o registro de Nietzsche segundo o<br />

qual já em seu tempo discutia-se a arte (pelos historiadores, críticos, filósofos, todos<br />

enfim) mais por seus aspectos e efeitos exteriores do que por aquilo que a caracteriza<br />

em si e por si mesma, internamente. Assim, a tentação de qualificar esta reflexão de um<br />

esboço de genealogia da cultura, senão da arte — ou, melhor, de genealogia da cultura<br />

em relação à genealogia da arte — foi grande e a ela não renunciei de todo. Alguns<br />

aspectos que aqui aparecem continuam a pertencer à esfera da exterioridade, senão da<br />

cultura — ela mesma inteiramente voltada para fora — pelo menos da arte: é o caso das<br />

categorias do Destinatário e da Socialidade, por exemplo. Nem por isso aquela<br />

designação seria inadequada, se o marco de comparação for a genealogia da moral —<br />

e isto porque também na investigação da genealogia da moral Nietzsche chegou a ou<br />

partiu de questões que não dizem respeito estritamente à origem da moral mas, entre<br />

outras coisas, ao modo pela qual ela é usada, por dizê-lo assim. A ampla maioria das<br />

categorias abaixo examinadas remetem, com efeito, a essa esfera da interioridade da<br />

arte e sob esse ângulo a ideia de uma genealogia poderia afirmar-se — sobretudo porque<br />

considero que na origem da cultura está a necessidade enquanto na origem da arte, o<br />

desejo. De todo modo, o fato de algo como uma genealogia ser aqui buscado deriva da<br />

ampla insatisfação dos resultados fornecidos pela antropologia, pela sociologia, pela<br />

psicologia e mesmo pela filosofia tradicionais da cultura e da arte. O paradigma<br />

constituído por essas quatro disciplinas imbricadas pareceu evidente e satisfatório<br />

nestes últimos 130 anos, para tomar como marco a publicação em 1871 de Primitive<br />

Culture, de Edward Burnett Tylor, livro em que surge a primeira <strong>def</strong>inição do conceito<br />

etnológico de cultura. Tal paradigma não é mais nem uma coisa, nem outra. O termo<br />

genealogia pode não ser o mais adequado. Mas o será ainda menos outros que, sem<br />

serem examinados, foram perfunctoriamente sugeridos em seu lugar, como o<br />

“antropologia especulativa” proposto por Arthur Danto. Há aqui, no exercício praticado<br />

neste texto, bem menos especulação do que é lícito supor. Pelo contrário: se há um<br />

traço visível nesta investigação é o do mais forte pragmatismo. A semiótica, ainda não<br />

de todo integrada a um novo eventual paradigma (por ser quase sempre usada como<br />

um instrumento ou brinquedo fechado em si mesmo, por isso estéril), certamente tem<br />

a ver com este procedimento mas não responde por todo ele. A reflexividade de que<br />

falam Anthony Giddens e Ulrich Beck — embora cada um a entenda de modo próprio<br />

quando tratam da “modernidade reflexiva” em sua suposta condição de expressão mais<br />

adequada, ao ver de ambos, para rotular esta fase que vem sendo chamada de pósmodernidade,<br />

é aqui sem dúvida um marco de referência. Mas reflexividade, no sentido<br />

de investigação interior, é exatamente aquilo que estava na base da genealogia de<br />

Nietzsche... O rótulo, afinal, pouco importará; basta que indique a inadequação das<br />

formulações saídas dos rótulos anteriores...<br />

118 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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