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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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território se amplia às dimensões de um grande mar interior, para o<br />

chef e o viticultor, ou se reduz ao ambiente de um pequeno restaurante<br />

argentino no interior da Espanha, ou de outro, japonês, num bairro de<br />

São Paulo. No atual momento da dinâmica cultural, o território<br />

claramente se descolou da nação e está ali onde está a sociedade ou a<br />

comunidade. A sociedade (em todo caso, a comunidade) carrega o<br />

território, não mais (tanto) o inverso.Esse é, na verdade, um traço da<br />

cultura mediterrânea, que ora se localiza com comodidade na terra<br />

firme nacional a que possa eventualmente pertencer (a cultura francesa,<br />

a cultura espanhola, a cultura italiana), ora se reconhece não apenas<br />

sem problema mas com prazer no mar flutuante e deslocalizado do<br />

comum Mediterrâneo e ora, ainda, não vê problema algum em situarse<br />

e estender-se ao mesmo tempo e sob um mesmo aspecto nas duas<br />

referências: a terra nacional e o mar internacional. O valor desse<br />

paradigma cultural para o quadro contemporâneo não pode deixar de<br />

ser posto na situação de absoluto destaque que é a sua.<br />

O que estes dois episódios ilustram com eloquência, na banalidade<br />

cotidiana de suas histórias, é que neste universo de intensos<br />

deslocamentos de tudo para todas as direções — pessoas, coisas, ideias,<br />

informações, criações — a identidade passou por processo similar de<br />

renovação e adaptação. Os conceitos e modelos tradicionais de<br />

identidade evaporaram-se. A ideia de uma identidade nacional, derivada<br />

apenas de um solo ou, como se prefere chamar, um território <strong>def</strong>inido,<br />

não mais basta para <strong>def</strong>inir uma pessoa ou um grupo. Identidades étnicas<br />

se afirmaram, e depois as sexuais, como a das mulheres e dos<br />

homossexuais. As identidades etárias se seguiram: por reivindicação, de<br />

baixo para cima, como a dos jovens; e por uma interpelação de cima<br />

para baixo, ou de fora para dentro, como a da Terceira Idade. E a estas<br />

se somaram identidades de uma nova política, como a dos ecologistas.<br />

E, mais recentemente no cenário do ocidente, a dos fundamentalistas<br />

islâmicos, de mais longa data existente em seu próprio cenário de<br />

origem e que agora apenas irrompe, se desdobra e vem juntar-se a<br />

outros fundamentalismos como o da Milícia de Michigan nos EUA e<br />

seitas do tipo Verdade Suprema, do Japão, responsável pelo ataque a<br />

gás ao metrô de Tóquio na década de 90, do qual eu mesmo escapei<br />

por pouco e por acaso. E de tantas outras identidades se poderia falar.<br />

No Brasil, registra-se agora também a identidade banditária, se for possível<br />

forjar esse termo tão horrível quanto a realidade que recobre: a<br />

identidade do banditismo. Sem dúvida “inspirados” pela TV e por um<br />

fenômeno identitário contemporâneo, o da identidade corporativa,<br />

também os marginais atribuem-se uma identidade coletiva, inventam-<br />

UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 63

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