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os quais se deveria suportar a privação e o sofrimento no presente<br />
para garantir a construção do bem-estar num futuro a médio ou longo<br />
prazo embora nesta mesma vida aqui neste mundo: ficou já<br />
suficientemente nítido que o mundo desejável deve ser ao mesmo<br />
tempo um mundo factível e factível num lapso de tempo ao alcance de<br />
uma vida humana. Não se superou, é verdade, o terceiro obstáculo à<br />
vida com qualidade aqui e agora (a vida com prazer), representado<br />
pela ascendência do social sobre o individual. Obstáculo porque o social<br />
não sente prazer, não há possibilidade de <strong>def</strong>inir-se um prazer para o<br />
social, para o todo que é a sociedade, razão pela qual com frequência<br />
se exclui essa consideração quando se formulam programas sociais,<br />
inclusive para a cultura; sobretudo nos países subdesenvolvidos, com<br />
carência de real criatividade governativa (ou que se encontram em<br />
estado de esgotamento dos recursos políticos de administração social),<br />
predomina um discurso do social que faz da omissão da referência ao<br />
prazer e à felicidade sua tônica central, um pouco por imposição do<br />
politicamente correto, outro tanto por uma espécie de admissão<br />
implícita de que nem uma coisa, nem outra seriam ainda possíveis, em<br />
inadequada e prematura admissão de derrota.<br />
Retornando ao ponto, a ideia de cultura como lâmina é aquela que<br />
insiste na rejeição do habitus como algo que dela possa fazer parte<br />
dinâmica. Como componente residual da cultura, o habitus terá seu<br />
papel. Mas, não é disso que trata a política cultural. Como já foi aqui<br />
ressaltado, a adoção de uma perspectiva de intervenção como aquela<br />
constante da política cultural altera radicalmente o entendimento<br />
antropológico da cultura.<br />
A noção de cultura como crítica ou como contendo uma parte<br />
crítica, e não meramente como habitus, está na base de um rechaço já<br />
perceptível da ideia de cultura como conjunto de traços identitários,<br />
de uma coletividade determinada, em favor de uma concepção mais<br />
ampla e mais flexível que só pode encontrar guarida, no elenco de<br />
termos hoje à disposição, no conceito de civilização. Em certos<br />
momentos históricos, cultura e civilização foram vistos como sinônimos<br />
(caso de Tylor); em outros, cultura entendeu-se como o conjunto mais<br />
amplo e civilização como o mais restrito e em outros ainda adotou-se o<br />
exato oposto desse último entendimento. Há um outro enfoque que<br />
merece hoje mais reflexão do que aquela de que já gozou em passado<br />
recente. Para este, cultura é aquele conjunto de que falava, por exemplo,<br />
Tylor e que todo agrupamento humano, nacional ou outro, não pode<br />
deixar de ter. Já civilização é aquela cultura que se propõe como modelo<br />
para outras culturas ou, se como tal não se apresenta e não se pretende<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 37<br />
A CIVILIZAÇÃO<br />
COMO MODELO