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uma política cultural para o carnaval (essa política se diz provedora — e<br />
nesse caso a política correspondente será de intervenção ou de<br />
coordenação, não raro, ambas). No caso da arte, a política<br />
correspondente só pode ser de cooperação: alguém que queira produzir<br />
arte pode (tem o direito a, no sentido vulgar da expressão) pedir minha<br />
cooperação como fundação: eu, como fundação, não tenho o dever de<br />
cooperar, posso fazê-lo ou não: posso fazê-lo em algum caso, segundo<br />
meu parecer discricionário, e em outros não — e o direito, para ser tal,<br />
não pode ser viável em alguns casos e em outros não, ou ser deste tipo<br />
em tal caso e de outro tipo em outro caso. Casos de política cultural de<br />
intervenção no domínio da arte costumam configurar, a rigor, situações<br />
de exceção em termos de democracia: numa palavra, isso só acontece<br />
ou só deveria acontecer sob ditaduras, caso do realismo-socialista na<br />
ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, caso da arte nazista, caso<br />
do cinema de conteúdo histórico no Brasil sob os militares de 1964 a<br />
1984 etc.<br />
Arte é privilégio: hipótese. Podemos decidir tratar a arte de modo<br />
especial. Mas não é uma necessidade. Nem um direito. (Posso educar<br />
uma necessidade, posso educar para uma necessidade: não posso<br />
educar um desejo ou esse desejo não terá a liberdade de ser o que é: no<br />
limite, posso educar para um desejo, desejo porém ao qual ninguém<br />
estará obrigado: se o fizer, isso não gerará um direito.) (Refiro-me a<br />
desejo, pulsão arrebatadora, não a outra coisa, não a coisas fracas que<br />
por um motivo ou outro são apresentadas como desejo.)<br />
FINS utilitária<br />
(finalidade imanente)<br />
128 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong><br />
educativo<br />
profissionalizante<br />
(ética. lógica)<br />
transcendente<br />
(gratuita)<br />
(devir contingente)<br />
gosto<br />
(estética)<br />
O cultural é utilitário: tudo reforça esse seu sentido, desnecessário<br />
armar demonstrações múltiplas ou rebuscadas para prová-lo: o cultural<br />
é social, responde a necessidades específicas: é útil para alguma coisa.<br />
A arte não é útil como arte. O retrato de Mona Lisa pode ter sido<br />
documento: como a fotografia hoje, mostrava para outra pessoa,<br />
situada em outro lugar, os traços físicos de determinada mulher que vive<br />
aqui. Perdida a função documental, restou, nesse caso, a arte. Como<br />
arte, Mona Lisa não tem utilidade específica: não é útil nem mesmo a<br />
minhas exigências estéticas, que podem ser atendidas de outro modo<br />
(de resto, exigências estéticas podem ser atendidas inteiramente fora<br />
do campo da arte, embora só o possam ser por comparação, mesmo<br />
virtual, com a arte). A obra de arte nesse sentido é gratuita. Como essa