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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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atribuímos. Vista desde hoje, ou desde o momento em que os<br />

historiadores das mentalidades começaram a dedicar-lhe atenção,<br />

aquele momento da Alemanha surge como um titã cultural. A República<br />

de Weimar, de 1919 a 1933, parece a utopia enfim realizada. O novo<br />

surge por toda parte e o estoque cultural da Alemanha dos séculos<br />

anteriores é retomado e reavivado. A cultura objetivada, vista de nosso<br />

atual ponto de observação, é enorme. Mesmo à época, a cultura objetivada<br />

pode ter parecido portentosa, embora sem dúvida nada tão portentosa<br />

como a imagem que dela hoje fazemos, a quase oitenta anos de<br />

distância. Mas, essa fotografia nada revela sobre o único processo cuja<br />

lógica poderia responder àquela já clássica pergunta sobre por que<br />

essa cultura toda não impediu os horrores daquele momento, e que é<br />

o processo da participação da cultura subjetiva naquele banquete<br />

objetivado (supondo que esse banquete não tivesse nenhum prato<br />

estragado, do ponto de vista do conteúdo). A fotografia das culturas<br />

subjetivas não existe a não ser em casos isolados (e nem sempre<br />

satisfatórios) como os retratos individuais que pesquisadores<br />

ocasionalmente montam de um dado período desse arco histórico ou<br />

de um determinado indivíduo, a exemplo de Peter Gay e seu estudo<br />

sobre O século de Schnitzler, autor da novela que deu origem ao filme<br />

Eyes Wide Shut, de Stanley Kubrick, novela que provavelmente, apesar<br />

de seu intrínseco valor, não seria hoje lembrada não fosse pelo filme de<br />

Kubrick, o que diz muito e quase tudo sobre o atual processo cultural.<br />

E é uma fotografia que, quando existe, nessa forma não diz muito, por<br />

ser a de uma cultura individual, de todo singular: seu caso não é padrão.<br />

Não se trata de dizer que está aí, nesse acúmulo de cultura, nesse<br />

excesso de cultura, a causa dos crimes da Alemanha nazista pós-33<br />

(essa é uma questão que o racionalismo iluminista ainda em vigor não<br />

tem como enfrentar, portanto vamos deixá-la de lado; outro modo de<br />

dizê-lo: essa é uma hipótese atrevida demais e, quem sabe, perigosa<br />

demais). Mas, reconhecendo que há tantas outras coisas a considerar e<br />

que esta abordagem diz respeito a um aspecto limitado da questão<br />

cultural, é possível dizer que toda aquela cultura objetivada da Alemanha<br />

no período destacado não tinha como evitar muita coisa porque já<br />

naquele momento, como agora, na Alemanha como no resto do<br />

mundo, aquela porção de cultura que se pôde reconhecer como tal, a<br />

cultura objetivada, não tinha sobre a cultura subjetiva da massa ou do<br />

grande número ou do homem comum e mesmo de alguns homens<br />

com alguma formação, uma projeção à altura da dimensão que lhe era<br />

e é atribuída, de modo que a pergunta ou é falsa ou está mal colocada:<br />

não havia nenhuma grande cultura capaz de impedir crime algum<br />

96 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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