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A INICIATIVA<br />
CONTRA<br />
A ESTRUTURA<br />
correspondente poder conseguem-se melhor e mais rapidamente se<br />
os interessados forjam novos nomes para as mesmas coisas; assim<br />
Giddens e sua escola 18 propõem para substituir a expressão pósmodernidade,<br />
de fato vaga, outra não menos difusa e certamente mais<br />
obscura: modernidade reflexiva. O nome não importa tanto, embora a<br />
questão por trás de sua proposição seja séria e vital no mundo das<br />
ciências humanas. Importa é a concordância entre a releitura de Giddens<br />
e as propostas anteriores de outros que se dedicaram ao mesmo tema<br />
e que apontam para a ascendência de novos atores sociais, emergindo<br />
da sociedade civil e não da sociedade política, e a diminuição (ainda<br />
simbólica porém significativa) da esfera de presença dos atores políticos<br />
tradicionais, entre eles o Estado e os partidos políticos, e que apontam<br />
também, em consequência, para a ascendência da ação ou da iniciativa<br />
sobre a estrutura. A palavra iniciativa aqui é decisiva: a iniciativa de cada<br />
um em contraposição à inação da estrutura. Giddens propõe uma<br />
descrição dessa iniciativa: livre das coerções da estrutura social, a<br />
iniciativa individual reflete sobre suas próprias disposições e recursos e<br />
sobre aquela mesma estrutura em busca de um outro modo de colocarse<br />
na vida e no mundo. Uma modernidade reflexiva, diz ele, não apenas<br />
porque reflete autonomamente sobre a estrutura social em si mesma<br />
mas porque se volta sobre si mesma (não para seu entorno, para o que<br />
está fora de si) para aí buscar seu impulso de ação. Como a escola de<br />
Giddens vai expressamente buscar em Pierre Bourdieu um precursor<br />
que legitime suas reflexões (como se vê, nunca se está de todo livre da<br />
ascendência das estruturas...) — estimulada pela crítica de Bourdieu<br />
ao estruturalismo radical de Lévi-Strauss (nascido em 1908) feita, parece<br />
a Giddens, desde o ponto de vista do que o mesmo Giddens chama de<br />
agency ou iniciativa — é o caso de retornar à distinção anterior entre<br />
cultura e habitus para avançar na questão da cultura na pósmodernidade.<br />
Esse retorno é tanto mais legítimo quanto o próprio<br />
Bourdieu incursionou pelo terreno da “reflexologia” 19 , embora mais para<br />
negar a aproximação com Giddens do que afirmá-la. Assim, e em termos<br />
extremamente sintéticos, o habitus apresenta-se como o sistema das<br />
atividades em curso e tal como já existiam e haviam sido <strong>def</strong>inidas pela<br />
inércia, pela tradição, pelos costumes, pelas ideias feitas, pela matriz<br />
consagrada, enquanto a iniciativa se colocaria nitidamente do lado não<br />
apenas das obras de cultura que buscam o refinamento do espírito mas<br />
das obras críticas de cultura ou, numa palavra, do lado da cultura em<br />
ato, da cultura como ato, como um fazer aqui e agora — do lado da<br />
18 A. Giddens, Scott Lash e Ulrich Beck, Reflexive modernization. Londres: Polity Press, 1994.<br />
19 An Invitation to Reflexive Sociology. Cambridge: Polity, 1992.<br />
46 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>