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cultura irrepetível de Artaud (1896-1948), que Giddens pode ou não ter<br />
lido e que em seu tempo fazia uma antecipação poética de algo que,<br />
como sempre, a reflexão sociológica só pode verificar e a seu modo<br />
atualizar mais tarde, bem mais tarde. A cultura como ato unitário, único,<br />
quer dizer, não transformável em estrutura. Uma utopia, por certo.<br />
Mas, trabalho de renovação e reventilação do pensamento, vital para a<br />
re<strong>def</strong>inição do desenvolvimento humano.<br />
A libertação progressiva das pessoas frente às estruturas, mediante<br />
o fortalecimento da sociedade civil diante não só do Estado como<br />
simplificadamente se propõe mas diante de toda a sociedade política,<br />
está no núcleo da proposta pós-moderna para a cultura, seja qual for o<br />
termo que se prefira adotar para designar esse período. Não é uma<br />
proposta artificial, desenvolvida em laboratórios de ideias. Como<br />
frequente no domínio da cultura e das ciências humanas responsáveis,<br />
o fato precedeu a teoria — e o fato central aqui foi a perda de sentido<br />
das grandes narrativas motivada pela corrosão da confiança em geral<br />
e, para usar um termo atual da informática assim como aparece na<br />
formulação de Ulrich Beck, sob esse aspecto mais radical do que<br />
Giddens, motivada pela corrosão da confiança nos sistemas especialistas 20<br />
tradicionais, isto é, nos corpus de informação e conhecimento ou de<br />
manipulação ideológica da informação e do conhecimento que são as<br />
igrejas, o partido político, o Estado e outras tantas corporações ou<br />
aparelhos do gênero, como a universidade ela mesma. O próprio campo<br />
da arte foi um desses sistemas especialistas cujo crédito de confiança<br />
foi corroído; ainda hoje se pode encontrar críticos reconhecidos (embora<br />
o reconhecimento mediático não seja, para nada, um índice de valor<br />
em si mesmo) deblaterando contra “a exaustão e incoerência da arte<br />
nas duas últimas décadas”. (E sistema especialista é ainda o sistema da<br />
cultura popular, tanto quanto o da cultura erudita e o da cultura de<br />
massa, para usar os caducos termos dos anos 60 do século passado.) O<br />
que parece por vezes exaustão e, sobretudo, incoerência, como no<br />
caso da arte, não é mais que a libertação dos indivíduos-artistas diante<br />
dos sistemas estéticos anteriores que vigoraram cada um durante o<br />
período de tempo em que puderam manter sua ascendência (o<br />
conceitualismo, o abstracionismo informal, a pop, o cubismo, o<br />
20 “Sistema especialista” é uma expressão com sentido original específico: designa programas<br />
com fundamentos de inteligência artificial que reproduzem o conhecimento de um<br />
especialista e ajudam seus usuários a tomar decisões. O problema, do ponto de vista<br />
abordado aqui, é que esses sistemas não ajudam qualquer um a tomar decisões mas,<br />
apenas, àqueles que nele são iniciados. O sistema especialista que é um partido político<br />
não ajuda qualquer um a tomar decisões mas ajuda a tomar as decisões certas aqueles<br />
que são membros do partido. Por isso o sistema é especialista...<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 47