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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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MODO DE<br />

COMPREENSÃO<br />

ao longo dos séculos 19 e em parte do 20 mas que nem por isso se<br />

transformam em universais e eternas) e por incluir a operação com<br />

conceitos como o de privilégio, demasiadamente perturbador...<br />

interpretação<br />

(treinamento)<br />

148 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong><br />

explicativo hermenêutica<br />

(experiência)<br />

(a con-fusão; o<br />

individual como<br />

o não-discreto)<br />

investigativo<br />

Falar de uma obra de cultura é interpretá-la: esclarecer seu discurso,<br />

aclará-lo 70 : o programa é explicativo: a interpretação é possível quando<br />

se supõe que o interpretado é de foco convergente: e quando a base<br />

do processo é o treinamento, a preparação para ver daquele modo a<br />

obra ou fenômeno. A obra de arte é divergente, sua interpretação é<br />

impossível, ou sua interpretação é uma sofisticação: o programa de<br />

sua abordagem só pode ser investigativo, não explicativo. 71 Para a obra<br />

de arte, o processo de aproximação é a hermenêutica, que se justifica<br />

quando o que está em jogo é uma multiplicidade de sentidos (a confusão:<br />

vários sentidos fundidos num bloco não analisável, isto é, não<br />

divisível: o individual é o não-discreto, aquilo que não se pode<br />

determinar) e, pode-se dize-lo, de interpretações. A figura emblemática,<br />

aqui, é Hermes: seu campo de sentido, seu território semântico, é<br />

divergente, sua identidade não é cumulativa, nem oposicional: é<br />

flutuante: é de identificação e posicional: dependendo da situação é<br />

uma coisa, dependendo da situação é outra: Hermes, mensageiro dos<br />

deuses, filho de Zeus, conduzia as almas dos mortos pelo reino inferior,<br />

o submundo, e tinha poderes mágicos sobre os sonhos e o sono; e,<br />

não mas porém e (quer dizer, apesar disso ou por causa disso) era o<br />

deus do comércio, senhor da boa sorte e da riqueza; uma figura perigosa,<br />

porém (a arte é perigosa, a arte é um perigo), um simulador e um ladrão<br />

— o deus dos ladrões, na verdade: no mesmo dia de seu nascimento,<br />

roubou o rebanho de seu irmão Apolo e ocultou as pegadas dos<br />

animais fazendo-os andar para trás; buscando reconciliar-se com o<br />

irmão, Hermes deu-lhe a lira, que ele mesmo inventara ao pegar um<br />

casco de tartaruga, abrir-lhe alguns buracos e sobre eles esticar umas<br />

tantas cordas — nove delas, uma para cada uma das nove Musas,<br />

inspiradora de todos os artistas: Calíope, musa da poesia épica, Clio, da<br />

história, Euterpe, da poesia lírica, Mepomene, da tragédia, Terpsicore,<br />

70 Se isso for realmente necessário: ela já é suficientemente clara em si mesma e para aqueles<br />

que fazem parte de seu jogo; a interpretação se requer para o Outro, o de fora, o de<br />

outra cultura.<br />

71 Ver, entre outros, o poeta espanhol (nascido em 1931) Antonio Gamoneda: “Ante un poema,<br />

mi estado favorito de conciencia es la confusión” (El País, 3 ago. 2004, p. 40).

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