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INOVAÇÃO<br />
<strong>CULTURA</strong>L: A<br />
SOCIEDADE CIVIL<br />
e sociedade e na procura da vida mais adequada, da existência feliz,<br />
seja qual for o conteúdo dessa expressão. Fenômenos como os da<br />
globalização e do mercado, agora habitualmente apresentados como<br />
os principais opositores à felicidade das pessoas, são na verdade<br />
obstáculos exteriores, de força menor àquela que detém um certo<br />
obstáculo interior, o obstáculo cimentado no pensamento e no<br />
comportamento de cada um, a ideologia mais incorporada que se pode<br />
imaginar, aquela que arma esse obstáculo epistemológico. Sob essa<br />
luz, a famosa interpelação de John Kennedy — “Não pergunte o que<br />
seu país pode fazer por você, pergunte pelo que você pode fazer por<br />
seu país” — revela toda sua inadequação, para não dizer sua<br />
manipulação, em particular porque aquilo a que Kennedy se referia<br />
era, com toda evidência, não o país porém o Estado. E aqui cabe repetir<br />
a epígrafe de Cláudio Magris: “As fronteiras, ideia implícita nas noções de<br />
país, nação e Estado, são ídolos que exigem sacrifícios humanos”.<br />
Esta introdução deve bastar para pôr em evidência que a reflexão<br />
sobre este tema se faz, aqui, na chave de uma antropologia<br />
individualista e libertária, para ficar com a letra se não com o espírito de<br />
outro ensaísta contemporâneo a que voltarei, Antonio Negri.<br />
Quando se comemoraram, em abril de 2004, os 20 anos do fim da<br />
ditadura militar mais recente, a de 1964-84, surgiu a oportunidade de<br />
fazer-se um balanço das grandes mudanças na cultura brasileira pósredemocratização.<br />
De várias linguagens e fatos culturais, estritamente<br />
falando, se poderia mencionar muita coisa sob esse ângulo. Mas ficoume<br />
claro que essas seriam transformações inscritas na lógica de um<br />
quadro fechado e autorreferencial, por isso de certo modo evidentes, e<br />
que, de um ponto de vista mais amplo, a grande mutação cultural, em<br />
sentido amplo, na sociedade brasileira, havia sido o surgimento e, agora<br />
se pode dizer, a reafirmação da ideia e da prática da sociedade civil. Em<br />
1971, quando aqui no Brasil atravessávamos o mais terrível período da<br />
ditadura militar — época do “Brasil: ame-o ou deixe-o”, de trágica<br />
memória — em Vancouver, Canadá, um grupo de ativistas lançava-se<br />
ao mar num velho barco pesqueiro. A missão que se atribuíam era “dar<br />
testemunho” de um teste nuclear subterrâneo a ser realizado pelos<br />
EUA ao largo de Amchitka, ilha da costa oeste do Alaska, região das<br />
mais propensas a terremotos. Nascia ali a mais forte, mais respeitada e<br />
mais emblemática das organizações da sociedade civil, das ONGs, como<br />
viriam a ser chamadas: a Greenpeace. E, se for possível dizê-lo, com ela<br />
nascia o ativismo da sociedade civil como prefiro vê-la. Uma expressão<br />
nem sempre tão clara, por aqui. Durante a ditadura, “sociedade civil”<br />
era usada frequentemente com o sentido, pouco explícito, de algo que<br />
70 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>