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dela mesma e do desenvolvimento humano, como hoje se afirma<br />
pretender alcançar, ou, pelo menos, para a devida formatação e<br />
colocação a nosso serviço daqueles que ao longo do século 20, lançando<br />
mão do recurso à cultura em seu modo conformista e conservador,<br />
tiranizaram e tiranizam o indivíduo e os grupos humanos: o Estado, o<br />
Partido, o Mercado (a Economia) e, mais recentemente, a Comunicação<br />
(como instrumento de manipulação política, como tal usada pela<br />
televisão e pelos aparelhos de comunicação dos governos com sua<br />
necessidade de geração de factóides de marketing político ou, mais<br />
amplamente, em sua vocação para a construção de uma língua perversa<br />
na qual as palavras querem dizer ao mesmo tempo mais, menos e o<br />
contrário do que afirmam); e, por fim, mas não de menor importância,<br />
a Informação, que ingloriamente se pretende apresentar como<br />
substituta do Significado.<br />
Por último — mas de modo algum em derradeiro lugar — este<br />
livro assume como princípio inspirador a constatação do poeta espanhol<br />
Francisco de Quevedo segundo a qual “desapareceu tudo que era firme<br />
e apenas o fugaz permenece e dura”. Essa observação, velha já de mais<br />
de 400 anos, é daquelas que não terminam de se enraizar na consciência<br />
dos teóricos da cultura e, em particular, dos ideólogos da cultura. Virou<br />
recurso comum afirmar — e lamentar, afirmar para lamentar — que na<br />
cultura moderna e contemporânea tudo que era sólido se desfaz no ar<br />
ou que tudo virou líquido e escapa por entre os dedos. Carreiras<br />
intelectuais completas se fizeram sobre a insistência recente nessa dupla<br />
tecla. Como diz Quevedo, porém, há mais de 400 anos as coisas já eram<br />
líquidas e vaporosas, não tinham formas <strong>def</strong>inidas e perenes. Tudo leva<br />
a crer, de fato, que as coisas em cultura sempre tenham sido assim e que<br />
o homem e a mulher de seu tempo tenham sempre sentido que esse<br />
mesmo tempo no qual se situavam (e que pensavam ingenuamente<br />
ser seu) se lhe escapavam sob os pés. Já Platão afirmava que os “bons<br />
velhos tempos”, os tempos dourados, haviam ficado perdidos para trás,<br />
numa outra fórmula para observar e lamentar que os tempos “do<br />
momento” não tinham forma boa ou, a rigor, forma alguma. E esse<br />
cenário deve ter parecido ainda mais claro para Quevedo entre os<br />
séculos 16 e 17, quando as explorações marítimas revelavam novas<br />
realidades, as sociedades europeias ensaiavam os primeiros passos de<br />
libertação do jugo da religião e da realeza e a economia desenhava os<br />
antepassados do sistema financeiro que hoje conhecemos, com todas<br />
as repercussões que esse quadro podia ter na cultura. Anotações como<br />
a de Quevedo deixam claro que a cultura é tudo menos aquilo que lhe<br />
atribuem inúmeros ideólogos, isto é, algo de perene e duro e sempre<br />
14 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>