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papel representado pela negatividade na cultura, para o convívio com<br />
ele e para o recurso a ele como modo de completar o desenho cultural<br />
da vida e do mundo. A expressão de Georg Simmel, ao discutir o<br />
significado do conflito na existência humana, quando falou da “tragédia<br />
da cultura”, nunca teve seu bom fundamento tão visível como agora. O<br />
conflito 55 entre a vida produtora (por meio dos e nos indivíduos<br />
criativos) de formas livres e a cultura, que é a não-vida, com suas formas<br />
suprapessoais, reificadas e congeladas, não pode ser minimizado e não<br />
pode ser resolvido. A cultura preserva formas e cria outras; mas nesse<br />
processo, gera formas objetivas, isoladas da vida, e que são outras<br />
tantas etapas do percurso do sujeito em direção a si mesmo. A tragédia<br />
está em que a vida mesma só é possível graças a essas formas geladas,<br />
à não-vida, das quais o indivíduo no entanto não pode usufruir de<br />
todo assim como ninguém usufrui da luz da multidão de estrelas no<br />
firmamento. A superação desse conflito é inviável, a não ser de modo<br />
precário e localizado. Mesmo assim, com a condição de ter bem claro<br />
essa negatividade. Negá-la apenas agrava o problema.<br />
2. A DESTRUIÇÃO DE UMA IDEIA FEITA<br />
Uma cultura não é apenas positividade, como se pretende nos<br />
discursos contemporâneos da política cultural e da sociologia bempensante,<br />
nas falas politicamente corretas. Nenhuma cultura é apenas<br />
positividade (apesar de Matthew Arnold). Ou então a ideia de<br />
positividade está equivocada. Uma negatividade da cultura está em<br />
sua arte. A arte é em larga medida a negação da cultura, como exceção<br />
à cultura e mais que exceção. Mas, não apenas isso: há na arte, portanto<br />
de algum modo na cultura, uma dimensão de negatividade que é<br />
constitucional a ela mesma e portanto à cultura. Dizer com Walter<br />
Benjamin que todo documento de cultura é também um documento<br />
de barbárie, significando que toda cultura se fez de algum modo sobre<br />
um crime, é dizer pouco apesar da enormidade do dito. E dizer que<br />
toda cultura é um crime será dizer muito. Essa barbárie de que Benjamin<br />
falava se <strong>def</strong>ine como um ato contra o outro. Mas, a negatividade<br />
inerente à cultura não é apenas contra o outro, seja quem for: o<br />
proletário, como no universo de Benjamin, ou o negro, a mulher. A<br />
negatividade presente na cultura é negatividade da cultura como um<br />
todo e a rigor está em toda ela e opõe-se a tudo. Não há como contestar<br />
a presença da negatividade na cultura, o que significa: no ser humano.<br />
<strong>CULTURA</strong> E NEGATIVIDADE 109<br />
AS TORRES<br />
GÊMEAS