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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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PASSADO E<br />

MANIPULAÇÃO<br />

modo objetivo ou tão objetivo quanto possível — a única, cabe<br />

acrescentar, à qual se pode recorrer “com objetividade” numa situação<br />

de ação cultural. A única que, objetivamente, faz sentido. Uma correção,<br />

não desimportante, pode ser agregada à demonstração de Malinowski:<br />

do ponto de vista de quem se preocupa com a política cultural, a função<br />

de um dado componente cultural não deve ser interpretada de modo<br />

a fazer pensar que um certo efeito cultural só possa ser obtido com esse<br />

componente e com sua reprodução (o que leva, por exemplo, ao privilégio<br />

concedido à tradição cultural como fonte primeira de uma política<br />

cultural e instrumento central do que se convenciona chamar de<br />

patrimônio cultural). Mais de um caminho se abre para que se alcance<br />

um determinado efeito cultural, se essa for a questão.<br />

A sugestão de Malinowski mostra-se ainda mais central para o<br />

estudo da cultura quando se pensa que muito (ou tudo) daquilo que<br />

se localiza nas “origens” de uma cultura, em seu passado, e ao que se dá<br />

um peso extraordinário, resulta na verdade de uma invenção quase<br />

sempre mais recente do que se admite. É essa a advertência do<br />

contemporâneo Eric Hobsbawn (nascido em 1917) em outro texto<br />

vitalizador dos estudos de política cultural 7 . Tradições são<br />

frequentemente bem menos tradicionais do que se fazem parecer,<br />

quando não puramente inventadas. Transformadas em coisas mais<br />

antigas do que de fato são ou simplesmente inventadas de cabo a<br />

rabo, essas tradições apresentam-se sempre como uma estratégia do<br />

poder (político, religioso, cultural) para manter-se e justificar-se ao<br />

inculcar valores que supostamente se repetem (que são valores porque<br />

se repetem e que se repetem porque são valores) e que alegadamente<br />

estabelecem uma continuidade com o passado (imaginado, mais que<br />

imaginário) que, por algum motivo, interessa a esse poder). O que<br />

frequentemente se procura com o recurso a essa tradição, e ao passado<br />

de modo mais amplo, é não apenas manter as coisas como estão (o<br />

efeito de invariabilidade de que fala Hobsbawn) como recusar espaços ao<br />

novo que, como tal, em princípio não apenas escapa ao controle do<br />

poder interessado como o contesta. Os exemplos dessa manipulação<br />

são por demais conhecidos; bastaria lembrar a insistência com que a<br />

política cultural da mais recente ditadura militar brasileira (1964-1984)<br />

procurava privilegiar o passado histórico colonial, de origem<br />

portuguesa, como fonte de valor a ser reconhecido, preservado e<br />

privilegiado pela correspondente política cultural patrimonialista. De<br />

fato, nem as tradições são tão antigas quanto parecem (portanto, sem<br />

7 Eric Hobsbawn e Terence Ranger (orgs.), A invenção das tradições, São Paulo/Rio de Janeiro:<br />

Paz e Terra, 2002.<br />

24 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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