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A ARTE E O MAL<br />
Não é o caso de concordar com Todorov quando diz que toda<br />
possibilidade de atuar contra a negatividade (ele usa outra palavra, e<br />
num sentido mais banal: o mal) já é manifestação dessa negatividade<br />
(ele diz: o mal): mais pertinente admitir que essa possibilidade é o indício<br />
da negatividade, não ela mesma. Talvez seja isso o que ele pensou. É o<br />
caso de reconhecer a negatividade na cultura, em toda ela (portanto,<br />
em todas suas manifestações, ou na essência delas) e não insistir na<br />
ideia da cultura perfeita que pode gerar a sociedade perfeita (ou, bem<br />
pior, a ideia da sociedade perfeita a alcançar pela religião, pela ideologia,<br />
pelo partido, pelo Estado, ou pelo mercado), insistência dos<br />
totalitarismos todos, inclusive os utopistas. É o óbvio, mas o óbvio a<br />
cada tanto tem de ser destacado: a negatividade da cultura é uma<br />
negatividade em si e para si. Por que insistir nisso? Porque Stockhausen<br />
foi alvo de todos os opróbios e injúrias e colocado no ostracismo<br />
quando disse que a destruição das Twin Towers, o World Trade Center,<br />
de Nova York, em setembro de 2001 era a maior obra de arte de todos<br />
os tempos e que as pessoas que a haviam levado a cabo nunca<br />
poderiam ser igualadas pelos artistas. “A maior obra de arte jamais<br />
realizada”, ele disse. E continuou: “Daqui em diante, teremos de mudar<br />
totalmente nossa maneira de ver.” E que pessoas se preparem<br />
fanaticamente para um concerto durante 10 anos, como lunáticos, e<br />
em seguida morram, é algo que ele, o artista Stockhausen, jamais<br />
conseguiria fazer, disse ele. E ainda: “Diante disso, nós, os músicos, não<br />
somos nada”. Sua filha disse que a partir daí não o reconhecia como pai<br />
e que Stockhausen havia sido sempre um egótico, vivendo apenas<br />
pela música e para a música. (Como Beethoven.) Seus concertos foram<br />
cancelados. Decidiram não entendê-lo. Ou por ignorância não o fizeram.<br />
Os bem-pensantes todos que grotescamente o rechaçaram não sabem,<br />
nunca souberam, o que é arte, o que a arte representa. Sempre ficaram<br />
nos efeitos de superfície da arte — a forma, o conteúdo (nunca<br />
chegaram à matéria da arte) —, e naqueles efeitos de superfície da arte<br />
ainda mais exteriores: a noite de gala na ópera, o “vinho de honra” nas<br />
vernissages, o discurso certo na noite de benemerência ou de protesto<br />
político ou de aceitação de um cargo no governo, a palestra correta no<br />
congresso da categoria, a casa comprada com os direitos autorais da<br />
música composta. Ou rechaçaram esse conhecimento, o que é o mesmo<br />
dito de outro modo, porque estão vivendo sob o impacto de um<br />
momento histórico, independente da e mesmo anterior à queda das<br />
torres, em que da cultura só se aponta, por conveniência ou credulidade,<br />
sua positividade (ou o que creem ser positividade da cultura).<br />
Stockhausen não foi o único a usar as palavras da arte para se referir ao<br />
110 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>