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canto e dança, Polihymnia, poesia sacra, Urania, astronomia, Tália,<br />
comédia, Erato, poesia amorosa. Então, Hermes é o deus da arte, da<br />
ideia da arte, da forma da arte, da possibilidade da arte — de tudo que<br />
exige perícia e destreza: conduzir as almas e roubar, vender e criar<br />
instrumentos de prazer; na primeira antiguidade grega era representado<br />
como um homem maduro, com barba; na arte clássica, helênica, como um<br />
jovem desnudo e imberbe. Não posso interpretar Hermes de modo unitário,<br />
não posso esclarecer o sentido de suas ações: posso investigar como ele<br />
agencia o sentido em determinada de suas ações, em certas circunstâncias, em<br />
ocasiões específicas: não há um programa para Hermes, não há uma política<br />
cultural para Hermes porque Hermes não é cultural: Hermes é a exceção à<br />
cultura... Aqui, cada um se abre para o mundo conforme sua própria<br />
compreensão do mundo, sua experiência do mundo, a partir de seu código<br />
de valores (na interpretação cultural, a experiência é dos outros, dos<br />
antecessores): isso não significa que todas as opiniões tenham o mesmo<br />
valor: a maioria se equivoca ou quer enganar: mas aqui há certamente<br />
mais alternativas que na cultura, na interpretação: o que escolher é<br />
algo que deriva da crítica genealógica.<br />
* * *<br />
Este quadro de indicadores não tem um fim vislumbrável: o que se<br />
pode fazer com ele é abandoná-lo, como agora é abandonado.<br />
Seu princípio organizativo é binário, portanto trata-se de um<br />
quadro sujeito antes de mais nada às críticas previsíveis, a começar por<br />
aquela segundo a qual nenhum fenômeno é exclusivamente deste tipo<br />
ou daquele segundo tipo. A ampla maioria senão todos os fenômenos<br />
que cabem examinar sob as luzes deste quadro serão, acaso, mais bem<br />
representados por um esquema que surge como um segmento de<br />
reta delimitado por dois pólos dos quais um é a cultura e o outro, a<br />
arte, de modo que uma ocorrência qualquer será orientada<br />
simultaneamente na direção de ambos, distinguindo-se de uma outra<br />
porque aquela primeira tem por exemplo seu corpo mais adensado<br />
junto ao polo da cultura enquanto a segunda o mostra mais adensado<br />
junto à extremidade da arte — e nada mais extremo que a arte. Dizendoo<br />
de modo caricatural, o fenômeno X é “mais de cultura” que “de arte”,<br />
mesmo sendo de cultura e de arte, enquanto o fenômeno Y, comparado<br />
ao primeiro, é “mais de arte” que “de cultura”. Com evidência, não se<br />
pode dizer que cinema é cultura enquanto pintura é arte ou enquanto<br />
música erudita é arte: o que se pode dizer é que este filme é sobretudo ou<br />
essencialmente “obra de cultura” (convergente, destinado à<br />
“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 149