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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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PROCESSO reiterativa<br />

reprodutiva<br />

144 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong><br />

acumulativo<br />

patrimonial<br />

intermitente<br />

interruptiva<br />

dispersivo<br />

...mesmo porque a obra de cultura é duradoura: dura e dura muito,<br />

como no folclore, caso limite: a obra de cultura é épica, o programa que<br />

dela trata assume as formas de uma epopeia: a longa narração, a longa<br />

aproximação de uma estória longa, repleta de episódios. Em comparação,<br />

a obra de arte é efêmera: caso limite, a performance: dura agora, dura o<br />

pouco que dura enquanto é vista, sentida, praticada: e por durar pouco é<br />

irrepetível: seu programa é trágico: o evento acontece num ato unitário,<br />

de um golpe, de uma vez, irremediavelmente. Tópico. Seu programa é<br />

tópico: aqui e agora, aconteceu.<br />

Ao longo do tempo, a obra de cultura assegura a continuidade: de<br />

tudo que promove, de tudo que a sustenta, de si mesma. Ao longo do<br />

tempo, a obra de arte é interrupção. (A obra de arte pode durar, sem<br />

dúvida: mas o que dura nela não é o que nela estava quando ela foi,<br />

antes: em outro tempo, é outra coisa.)<br />

Como processo, a obra de cultura é reiterativa, reprodutiva: seu<br />

programa é cumulativo, patrimonial: a cultura se presta ao patrimônio<br />

histórico muito mais que a arte: a inclusão da obra de arte na ideia de<br />

patrimônio é uma apropriação da ideia de arte pela ideia de cultura: a<br />

rigor, é violação ao princípio da arte pela cultura. A obra de arte<br />

intermitente, interruptiva como é, não acumula, não constitui um<br />

patrimônio a não ser como falácia, como sofisma (como sofisticação,<br />

quer dizer, como falsificação) da cultura. A arte dispersa seus valores,<br />

fragmenta o patrimônio, contesta o patrimônio, anula o patrimônio —<br />

e a transformação de uma prática do rompimento em princípio de tradição<br />

e formação de provisório patrimônio, que será negado e substituído<br />

por outro, não é argumento forte o bastante para fazer reconhecer na<br />

acumulação da arte um patrimônio, a não ser sofisticadamente, quer<br />

dizer, falsamente. O programa, a política cultural para a arte será também<br />

dispersiva, não tanto anticumulativa como a-cumulativa. Que governo<br />

politicamente correto se atreve a essa compreensão e a agir em<br />

conformidade, tirando daí as consequências obrigatórias, isto é, a<br />

eliminação de parte da política cultural para a arte, aquela que a<br />

transforma em patrimônio? (E nesse caso é bem é disso que se trata:<br />

de política cultural para a arte, não de uma política artística para a arte,<br />

como poderia ser). E como aceitar que um governo democrático<br />

promova a destruição da acumulação da arte, não tenha uma política<br />

cultural para a arte? O paradoxo da arte não deve obscurecer a natureza<br />

do fenômeno, no entanto: transformo o acúmulo de arte em patrimônio<br />

mesmo sabendo que a ideia de arte e a ideia de patrimônio são

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