10.05.2013 Views

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

idêntico a si mesmo. Quando me refiro aos ideólogos, penso nos<br />

<strong>def</strong>ensores, de direita e esquerda (e no Brasil conhecemos as duas<br />

espécies ao longo do século 20, sobretudo em sua segunda metade),<br />

das teorias da identidade: a identidade pessoal, a identidade nacional,<br />

a identidade étnica, a identidade de sexo ou de gênero, a identidade<br />

cultural. Penso neles e em sua trágica <strong>def</strong>esa de uma identidade a ser<br />

encontrada, preservada, recuperada, elogiada e difundida como tal,<br />

como se fosse tal, como se pudesse ser tal. A “busca das raízes” foi uma<br />

operação que sempre cobrou seus tributos em sangue, para<br />

parafrasear e extrair as consequências de uma anotação sobre as<br />

fronteiras e os nacionalismos feita pelo escritor Claudio Magris, Prêmio<br />

Princide de Astúrias de Literatura de 2004. Nenhuma identidade é fixa,<br />

estável e perene. Toda identidade, como toda cultura, está em constante<br />

mutação, dissolvendo-se e liquefazendo-se para se recompor e refazer<br />

em seguida sob aparência pouco ou muito diferente. Toda cultura, em<br />

outras palavras, foge de si mesma, assim como São Paulo, com seus<br />

cinco sucessivos centros, como escrevi em outro lugar, é uma cidade<br />

que foge de si mesma (num outro indício de contemporaneidade da<br />

cultura brasileira, embora pelas mesmas razões aqui apresentadas não<br />

se possa nunca falar numa “ cultura brasileira” mas, se tanto, num duplo<br />

dessa cultura que, para os efeitos da discussão que se quer travar, se<br />

parece com e se comporta como aquilo que foi ou deveria ser a cultura<br />

brasileira). Esse é o ponto central a levar em consideração quando se<br />

discute a cultura na contemporaneidade. Se não é toda a cultura que<br />

assim se comporta, não há a menor dúvida de que é assim que se<br />

apresenta pelo menos uma parte muito especial do que se considera<br />

cultura (inadequadamente, como se procura demonstrar), e há pelo<br />

menos quase tanto tempo quanto a observação de Quevedo: a arte. A<br />

arte, porém, não é mais do que uma exacerbação e uma exasperação<br />

da cultura: se a arte é, ela mesma, fugaz e, paradoxalmente, somente<br />

permanece e dura nessa fugacidade (mas a cultura é também e<br />

sobretudo paradoxal, sempre), é porque a cultura também o é ou<br />

porque a cultura lhe cria as condições para assim ser. Trabalhar com o<br />

que foge de si mesmo, com o que é fugaz e esquivo, é árduo e tende a<br />

ser uma operação posta de lado em meios intelectuais rígidos como<br />

costuma ser a universidade. E, claro, não é uma ideia nada oportuna<br />

para o ideólogo de partido que deve gerar chavões cuja finalidade<br />

primeira é ajudar seu grupo a conquistar o poder e, uma vez no poder,<br />

ali se perpetuar. Aprender a operar com o flexível, com o furtivo e o<br />

fugaz é essencial. Afinal, assim é nossa vida.<br />

O OUTRO LADO DA <strong>CULTURA</strong> - E A ARTE 15

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!