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RAÍZES<br />
DINÂMICAS<br />
esse piloto da oposição gostaria de ver o mesmo navio: firme como<br />
uma rocha, quer dizer, imóvel — sob controle, sob seu controle. Amplas<br />
agitações em alguns dos porões do navio, como o do teatro, não<br />
tiravam e não tirariam o barco de sua posição imóvel. Naquele tempo,<br />
tanto para a esquerda como para a direita a cultura deveria ter raízes<br />
que a prendessem a algum lugar: somente assim se teria uma base<br />
para os projetos que sobre ela se faziam. A questão, portanto, era<br />
procurar essas raízes e fortalecê-las. A direita as via, em parte, no sólido<br />
passado de pedra importado de Portugal, visível nas velhas igrejas e<br />
casarões e casas grandes coloniais — embora se mostrasse<br />
suficientemente atualizada para recorrer à modernidade reluzente e<br />
etérea da TV e com ela alcançar resultados mais imediatos. E a esquerda<br />
revolucionária que, como manda a própria <strong>def</strong>inição da palavra<br />
revolução, queria aplicar um freio no deslocamento que a situação<br />
estava assumindo e com isso necessariamente voltar pelo menos um<br />
pouco atrás, vislumbrava essas raízes no nacional-popular, dois termos<br />
de difícil conceituação mas que mutuamente se sustentavam e<br />
explicavam na ideia de que se algo não fosse nacional, não seria popular<br />
e se não popular, nacional não poderia ser. Várias tragédias pessoais<br />
derivaram dessa visão acentuadamente agrícola e geopolítica da<br />
cultura (a cultura ligada à terra e ao território). E coletivamente todos<br />
pagamos um preço, como a cultura brasileira pagou um preço, pela<br />
política enraizante, patriarcal e patrimonialista da direita como da<br />
esquerda.<br />
Não será necessário insistir nesse ponto, nem lembrar com detalhes<br />
excessivos o modo pelo qual essa representação da cultura como algo<br />
preso a um solo específico ligava-se visceralmente à concepção de<br />
nação, de Estado e do papel que a cultura pode representar na<br />
mediação entre um e outro sob o controle de um aparelho<br />
determinado, o do Partido que quer se confundir com o do Estado e a<br />
nação, concepção essa em elaboração no século 18 e em aceleração no<br />
século seguinte. O fato é que um século, um século e meio de<br />
estacionamento num paradigma ou, se assim se preferir, de imobilidade<br />
em águas que necessariamente se põem cada vez mais sujas, é demais<br />
para toda cultura, que nelas começa a apodrecer. E aos poucos a cultura<br />
brasileira conseguiu sair desse porto e retomar seu movimento inicial,<br />
quase no mesmo momento em que outras culturas em outras partes,<br />
embora por outros motivos e em outras situações, também se livravam<br />
de seus portos tradicionais. Muitas saíram do porto e se detiveram<br />
pelo menos um pouco na barra, onde para estabilizar-se o navio usa<br />
apenas as âncoras, e uma só. O barco está preso a um ponto de<br />
60 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>