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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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há uma apresentação inicial (o problema), um desenvolvimento e o<br />

desenlace, a resolução do problema. O cultural resolve. A obra de arte<br />

não resolve, porque não desenvolve: o cultural procura (o cultural é<br />

uma procura), a arte acha (Picasso). Frequentemente, a procura do<br />

cultural é uma falsa procura, uma procura que não tem sentido, um<br />

problema inexistente: a resposta já está dada de antemão. Como a arte<br />

não procura — acha —, a arte não desenvolve: a arte não é narrativa no<br />

sentido em que há uma apresentação, um desenvolvimento e um<br />

desenlace: nesse aspecto, a arte se mostra como fragmento: a obra de<br />

arte é um ato unitário. Propor um programa (o que é hoje chamado de<br />

política cultural) para o trato com a obra de arte é operação em mosaico:<br />

um quebra-cabeça diante do qual se procede peça a peça: e as peças não<br />

se encaixam à perfeição umas às outras, há sempre uma fresta entre uma<br />

e outra (os filmes de Godard são entremeados por fotogramas pretos:<br />

a ligação entre uma sequência e outra, entre um plano e outro, não é<br />

contínua, suave, deslizante, pode ser mesmo arbitrária e pode ser<br />

nenhuma: o processo, em Godard, segue aos trancos, organiza-se ao<br />

redor de lacunas e interrupções: o mosaico é uma operação ao redor<br />

de lacunas, interrupções: os interstícios entre os diferentes fragmentos;<br />

à distância o mosaico pode parecer uniforme, sem falhas: mas à distância<br />

igualmente pouco se vê do mosaico, de sua natureza específica, além<br />

de uma vaga impressão geral: e quando o observador se aproxima, é<br />

possível que perceba que as partes são mais importantes que o todo,<br />

ou que o todo do mosaico está em cada uma de suas partes e não no<br />

todo ele mesmo. Fernando Pessoa: a natureza é partes sem todo. Num<br />

primeiro momento, a arte é como a natureza: não existe a arte, apenas<br />

várias partes (as obras de arte) que só falaciosamente formam um<br />

todo. Em relação a cada obra de arte, a arte é o inverso da natureza:<br />

todo sem partes: ato unitário, não divisível, ancorado em uma<br />

experiência. A narrativa da obra de cultura conclui; a “narrativa” da arte<br />

não é terminável, permanece inconclusa. Valéry: um poema não se termina<br />

nunca, simplesmente se abandona. Uma pintura também, um bom<br />

romance também, um bom filme também.<br />

MODO<br />

DE ELABORAÇÃO<br />

DO DISCURSO (D, d)<br />

construção reprodutivo rompimento<br />

destruição criativa<br />

desconstrução<br />

desaprendizado<br />

Por vezes estabelece-se uma confusão entre o discurso da coisa (o<br />

discurso da obra de cultura ou de arte em si) e o discurso sobre a coisa,<br />

sobre a obra: a ascendência, sobre a coisa, do discurso a respeito dela por<br />

“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 139<br />

UM POEMA NÃO<br />

SE TERMINA<br />

NUNCA: SE<br />

ABANDONA.<br />

experimental

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