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A obra de cultura opera com símbolos que remetem a alguma<br />
coisa situada fora e longe dela: seu referente, a coisa em si, o mundo. A<br />
cultura refere-se a um mundo fora dela (embora ela faça parte do<br />
mundo): um obelisco que remete a um passado colonial, uma estátua<br />
que assinala um fato histórico, um documentário sobre a vida de uma<br />
família campesina ou sobre o cotidiano da corte de Luis XIV: algo que<br />
aconteceu há muito tempo e é imaginariamente atualizado pelo evento<br />
cultural: exemplo, a Cavalgada de Reis, na Espanha, encenando algo<br />
que, narra-se, teria acontecido num passado remoto (a visita dos reis<br />
magos levando presentes ao menino Jesus) e que deixa algum resíduo no<br />
instante da encenação (o presente dado às crianças, alguma alegria pela<br />
recordação da infância nos adultos, a alegria que os adultos sentem ao<br />
verem a alegria das crianças) que não tem a ver com a representação em<br />
si mas com uma construção mental que se fazem aqueles que a assistem:<br />
essa a razão pela qual é indiferente que os reis magos sejam personificados<br />
(não são nem interpretados) por esta ou aquela pessoa, indiferente que<br />
essa personificação deste ano seja pior ou melhor que a do ano passado:<br />
o importante é que a personificação se dê: a tônica do evento cultural é<br />
seu significado. A obra de arte por certo arma significados mas sua operação<br />
básica se faz e está nos significantes. O significante da obra de arte não<br />
aponta para algo fora de si, fora da obra, distante no tempo e no espaço:<br />
o símbolo da cultura aponta para um mundo fora dele, o significante da<br />
arte tem a vida dentro de si. Por isso é fundamental o modo como se dá o<br />
processo que arma esse fenômeno: a qualidade da interpretação conta,<br />
como conta que seja esta e não aquela pessoa que esteja em ação. (No<br />
carnaval, a mulher nua que tem nome — esta é a modelo tal, essa outra é<br />
a atriz qual — a rigor viola o princípio da cultura: mais do que mostrar uma<br />
certa mulher nua a ideia é (ou foi) atualizar (tornar atual) a ideia geral da<br />
mulher nua geral: não era necessário que a mulher nua tivesse um<br />
nome, fosse conhecida: mais importante era a neutralidade, a<br />
impessoalidade da ideia: o importante era a ideia e a possibilidade de<br />
que essa ideia pudesse ser materializada por uma mulher qualquer,<br />
por qualquer mulher: quando a mulher tem nome, a função semiótica<br />
é outra, em princípio o contrato cultural foi rompido — sem que se tenha<br />
firmado e executado o contrato que entra no lugar do contrato cultural<br />
quando este é rompido: o contrato da arte; no carnaval, não é bem a arte<br />
que está em jogo ou não é a arte que consegue estar em jogo. Quando<br />
isso se der, o carnaval será arte — mas nesse caso, de acordo com o<br />
código atual, ele teria de ser diferente, e não seria mais um fato cultural...<br />
O programa para a cultura (a política cultural, um modo de mediação<br />
cultural) é de natureza simbólica: tudo é convencional, tudo segue uma<br />
“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 131