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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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POR UMA <strong>CULTURA</strong> EM TUDO LEIGA<br />

“As fronteiras são ídolos que exigem sacrifícios humanos.”<br />

Claudio Magris 35<br />

Um bom título para este estudo teria sido “A sociedade contra o<br />

Estado”, se ele já não tivesse sido utilizado por Pierre Clastres num livro<br />

de 1974 ainda não suficientemente lido. Em tempos normais, quer dizer,<br />

não marcados por alguma ditadura, em tempos daquilo que se<br />

convencionou chamar de democracia representativa — a democracia<br />

que está aí — esse é um título que faz pensar: por que estaria a sociedade<br />

contra o Estado?<br />

Outro título adequado teria sido “O Estado contra a sociedade”,<br />

passível de provocar a mesma reação: se estamos num período normal,<br />

democraticamente falando, por que o Estado, e não apenas o governo<br />

do momento, se mostraria contra a sociedade? Na verdade, esta reação<br />

expõe de modo claro um axioma dos mais centrais na sociedade dita<br />

civilizada: aquele segundo o qual a verdadeira sociedade é a que se<br />

desenvolve à sombra protetora do Estado, não havendo portanto<br />

motivo algum para supor uma oposição entre uma e outro quando a<br />

situação for normal. (O ponto: essa situação não mais é normal, em si<br />

mesma. Mas a isso voltaremos.) Reside aí, para usar outra expressão de<br />

Pierre Clastres, o obstáculo epistemológico mais duro a enfrentar na<br />

busca de um entendimento contemporâneo das relações entre Estado<br />

35 Prêmio Príncipe de Astúrias de Literatura, junho de 2004. Cláudio Magris nasceu em 1939,<br />

na cidade de Trieste. Fundada pelos romanos no século 1 a.C., Trieste passou<br />

sucessivamente para o domínio dos hunos, depois do império bizantino, dos lombardos,<br />

dos carolíngios e dos reis francos; no século 14 foi anexada à Áustria, depois ao império<br />

francês que dominava a Itália; no século 18 tornou-se reino independente, antes de cair<br />

novamente sob o poder austríaco; em 1919 voltou ao domínio da Itália e em 1945 a<br />

Iugoslávia tomou a cidade; em 1947 foi colocada sob a supervisão da ONU e dividida em<br />

dois territórios; uma parte, que incluía a cidade propriamente dita, tornou-se porto<br />

livre em 1954 e foi reintegrada à Itália enquanto a outra parte foi anexada à Iugoslávia<br />

e tornou-se depois território da Eslovênia quando ela se declarou independente em<br />

1991. A proposição de Magris aqui transformada em epígrafe tem de onde extrair sua<br />

força emblemática...<br />

UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 69<br />

OBSTÁCULO<br />

<strong>CULTURA</strong>L<br />

INTERIOR

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