You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
— Você está desfazendo nossa amizade? Tipo, na vida real?<br />
— Tendo em vista os últimos acontecimentos, o que mais posso fazer? Assim<br />
poupo a nós dois de futur<strong>as</strong> dificuldades. Nossa amizade… acabou — declarou<br />
ele, com uma ênf<strong>as</strong>e cruel: mãos erguid<strong>as</strong>, ombros tesos, olhos semicerrados. Sua<br />
ansiedade e frustração eram palpáveis. Eu precisava sair dali, e era uma sensação<br />
inédita, porque até então sempre me sentira calma perto de Booker… sempre<br />
querendo estar próxima dele.<br />
Conformada, fui embora.<br />
Meus olhos ficaram cheios d’água enquanto eu pedalava, e não era por causa<br />
do vento.<br />
Quando cheguei em c<strong>as</strong>a, encontrei meu pai na sala, sentado na outra ponta<br />
do mesmo sofá branco em que estava minha mãe.<br />
— Por que você faltou ao colégio? — perguntaram os dois, qu<strong>as</strong>e em<br />
uníssono. — Por onde andou?<br />
— Quer saber? Vou falar a verdade para vocês.<br />
E foi a erupção, contei tudo. Contei sobre Shannon espalhando boatos de que<br />
eu era lésbica, sobre meu ódio pelo futebol, sobre meu amor por O ceifador de<br />
chicletes; contei que tentara beijar o sr. Graves, que praticamente tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> garot<strong>as</strong><br />
do time de futebol trocavam favores sexuais por bebida, que estava namorando<br />
Alex, que ele <strong>as</strong>sumira uma causa em defesa dos garotos menores e que isso o<br />
levara à cadeia; contei até sobre minha insegurança quanto a começar uma<br />
faculdade no ano seguinte.<br />
— A verdade é que eu não tenho mais certeza de nada — concluí. — Não<br />
faço a menor ideia do que eu quero para minha vida amanhã, muito menos no<br />
ano que vem ou depois, e agora vocês estão se separando e eu me sinto<br />
começando do zero sem nenhum mapa para me orientar, e eu estou com medo,<br />
entenderam? Estou morrendo de medo!<br />
Então comecei a chorar descontroladamente e não parei mais.<br />
Foi como se a tensão acumulada de todos aqueles anos de ansiedade e<br />
preocupação escap<strong>as</strong>se de uma vez — um vulcão emocional, com a diferença de<br />
que meus pais não fugiram da erupção, pelo contrário: correram ao encontro da<br />
lava que eu despejava. Os dois se levantaram de um pulo para me abraçar,<br />
mesmo sabendo que acabariam se tocando. Ficamos juntos um bom tempo, e<br />
aquilo me fez bem — qu<strong>as</strong>e o suficiente para compensar tudo que havia levado<br />
àquele momento, m<strong>as</strong> apen<strong>as</strong> qu<strong>as</strong>e.<br />
Mais tarde, no meu quarto, procurei no dicionário a palavra obtuso.