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menos ela reconhece meu mérito por ter sobrevivido aos primeiros dezoito anos<br />
da minha vida. O mérito reduz meu impulso de falar palavrão toda hora.<br />
June sugere “algo que pode parecer estranho no início”. Ela pede que eu mate<br />
o Eu na minha mente. Na hora, não entendo o que ela está sugerindo, m<strong>as</strong><br />
depois June explica que está se referindo ao uso da primeira pessoa “eu”.<br />
— Nós vivemos dentro da nossa cabeça, Nanette, um lugar que pode ser<br />
muito <strong>as</strong>sustador. Esquecemos que não somos apen<strong>as</strong> um eu, m<strong>as</strong> também um<br />
ela e um você. Esquecemos de nos ver como os outros nos veem. Para algum<strong>as</strong><br />
pesso<strong>as</strong>, o narcisismo é um problema, o que significa que el<strong>as</strong> são egoíst<strong>as</strong>,<br />
autocentrad<strong>as</strong> demais, m<strong>as</strong> acho que o seu problema é ser altruísta demais. Você<br />
se preocupa com <strong>as</strong> necessidades dos outros mais do que com <strong>as</strong> su<strong>as</strong> própri<strong>as</strong>.<br />
Você se mantém forte por eles, mesmo que para isso abra mão do próprio bemestar.<br />
— Então por que eu larguei o futebol quando era a artilheira e todo mundo<br />
queria que eu jog<strong>as</strong>se? — pergunto, talvez com um pouco de orgulho demais. —<br />
Com certeza tomei essa decisão pensando em mim.<br />
— Talvez você só tenha feito isso porque estava exausta demais para<br />
continuar. Você fez o que todo mundo queria por tanto tempo, jogando e sendo<br />
boa nisso, sendo forte pelos outros, e talvez tenha finalmente chegado a seu<br />
limite e, bem, explodido. Foi <strong>as</strong>sim, e só <strong>as</strong>sim, que você conseguiu dar esse p<strong>as</strong>so.<br />
Não foi uma escolha real, foi como se recusar a pagar o almoço dos seus amigos<br />
só porque seu dinheiro acabou. Os palavrões, a ofensa de levantar o dedo para<br />
tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> su<strong>as</strong> coleg<strong>as</strong>, ess<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> raramente são indicativos de uma decisão<br />
racional e calculada. Assim como Alex, que decidiu p<strong>as</strong>sar a bater n<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>.<br />
Não acha estranho que ele se coloque numa posição em que é enviado para um<br />
reformatório bem no momento em que a relação de vocês parece desabrochar?<br />
Logo quando estão prestes a desvendar o mistério do livro que tanto amam? Isso<br />
não parece um pouco de autossabotagem?<br />
Faz sentido.<br />
— E Booker, que publicou uma obra-prima, recebeu crític<strong>as</strong> favoráveis em<br />
grandes jornais e um ano depois retirou o livro do mercado — digo. — Mesma<br />
coisa. Por que você acha que me aproximo de homens desse tipo?<br />
— Talvez porque você faça o mesmo? Largou o futebol pouco antes de<br />
quebrar um recorde. Decidiu não ir para a faculdade quando estava prestes a<br />
ganhar uma bolsa. Vê um padrão?<br />
Não gosto do padrão.