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continuei:<br />
— Por que seu livro está fora de catálogo?<br />
— Provavelmente porque não é muito bom — respondeu ele, e riu mais uma<br />
vez. — Não tenho formação como escritor. Eu só tinha essa história na cabeça e<br />
precisava colocá-la no papel. Foi como ser acometido por uma febre insistente, e<br />
o remédio era escrever. Não acreditei quando publicaram e, aliás, nem sei por<br />
que enviei o manuscrito para avaliação. Deve ter sido um surto duplo de<br />
insanidade: meu e do responsável por aquela editora obscura, que faliu logo<br />
depois de publicar meu livro. Vai entender. Só tiveram tempo de imprimir uma<br />
tiragem pequena. Graç<strong>as</strong> a Deus.<br />
Eu não estava entendendo, então voltei às pergunt<strong>as</strong> que havia preparado.<br />
— É verdade que o senhor compra todos os exemplares usados que aparecem<br />
na internet e os queima?<br />
Ele riu.<br />
— Eu nem tenho uma internet em c<strong>as</strong>a.<br />
O “uma internet” me fez acreditar nele. Sempre dá para saber quando os<br />
velhos não conhecem algo que foi mencionado, porque eles usam algum termo<br />
que não se encaixa naquele universo, qu<strong>as</strong>e como se tent<strong>as</strong>sem vencer a tal<br />
novidade recusando-se a nomeá-la da forma correta. Chamo essa técnica de<br />
“vodu linguístico da terceira idade”.<br />
P<strong>as</strong>sei para a terceira pergunta.<br />
— O que acontece com o Wrigley depois que ele sai do riacho?<br />
— Quem disse que ele sai?<br />
— Então ele se afoga?<br />
— Não temos como saber.<br />
— Por que não?<br />
— Porque a história acaba.<br />
— Você pode escrever a continuação.<br />
— Não, não posso. Não há mais nada a ser escrito.<br />
— Por que não?<br />
— É <strong>as</strong>sim que são <strong>as</strong> cois<strong>as</strong>. A história termina onde termina.<br />
— Não estou entendendo.<br />
— Está vendo aquela moça simpática que nos serviu café?<br />
Olhei para trás, vi a moça alta do caixa com um rabo de cavalo c<strong>as</strong>tanho e um<br />
sorriso permanente no rosto, e <strong>as</strong>senti.<br />
— Ela se chama Ruth. Você já a viu antes?