Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Nanette apen<strong>as</strong> <strong>as</strong>sente, mostrando que entende, e deixa Oliver concluir o<br />
raciocínio:<br />
— O nosso orientador, dr. Fricke, também me obriga a ir à sala dele sozinho<br />
uma vez por semana, e é sempre durante a aula de biologia, a que eu mais gosto.<br />
Por que eu tenho que perder minha aula preferido se sou a vítima? A sensação<br />
que dá é de que saí perdendo du<strong>as</strong> vezes.<br />
Nanette concorda em silêncio mais uma vez.<br />
— Ele me faz um monte de pergunt<strong>as</strong> inúteis, tipo: “Você tem saudade do<br />
seu pai?”, “Sua mãe cuida bem de você?” e “Você se sente triste às vezes?”. Digo<br />
que quero <strong>as</strong>sistir à aula de biologia porque é a minha preferida, m<strong>as</strong> ele diz que<br />
não tem outro horário para me atender, então acho que ele não se importa tanto<br />
<strong>as</strong>sim comigo, apesar do que diz toda hora.<br />
Nanette se surpreende por Oliver estar conversando como se nada tivesse<br />
acontecido, sem cobrar nenhuma explicação de por onde andava ou um pedido<br />
de desculpa por tê-lo ignorado, e é um alívio. Não quer reviver tudo que p<strong>as</strong>sou.<br />
Além do mais, não tinha mesmo a intenção de pedir perdão, já que não fez nada<br />
de errado. Ela conta a Oliver tudo sobre June e <strong>as</strong> convers<strong>as</strong> indiret<strong>as</strong> porém<br />
úteis que se p<strong>as</strong>sam no consultório do décimo quarto andar no alto de um<br />
arranha-céu da Filadélfia, e sobre sua nova vida em terceira pessoa, da qual ela<br />
até gosta.<br />
— E a escola? — pergunta Oliver.<br />
Então ela explica o conceito de vagar como um fant<strong>as</strong>ma e comenta que falar<br />
na terceira pessoa <strong>as</strong>susta todo mundo e não deixa ninguém se aproximar. E<br />
Oliver diz:<br />
— É, eu faço isso também. Mesma estratégia. Só que eu me chamo de sr.<br />
Invisível. E não uso a terceira pessoa.<br />
Nanette conta que recentemente teve que comparecer a um evento do time<br />
de b<strong>as</strong>quete: a escola inteira parou e se reuniu no ginásio para endeusar os<br />
poucos alunos eleitos os melhores em driblar oponentes e enfiar bol<strong>as</strong> na cesta.<br />
Ela quer saber como foi que aquilo aconteceu — quando <strong>as</strong> escol<strong>as</strong> do país<br />
inteiro decidiram que os atlet<strong>as</strong> precisam de eventos para aumentar seu orgulho e<br />
sua autoestima? Já não b<strong>as</strong>ta que <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> tenham que pagar para <strong>as</strong>sistir aos<br />
jogos? E que torçam n<strong>as</strong> arquibancad<strong>as</strong>? E que citem o nome deles no jornal? Por<br />
que não pegam todos os fant<strong>as</strong>m<strong>as</strong> solitários de cada escola e fazem um evento<br />
para eles? Por que não obrigam os populares a sentar naquel<strong>as</strong> arquibancad<strong>as</strong><br />
desconfortáveis e torcer até a bunda ficar quadrada?