Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A água ainda gelada do inverno e da primavera faz minha pele se arrepiar, m<strong>as</strong><br />
sigo em frente mesmo <strong>as</strong>sim até o mar chegar ao meu queixo, e então me deito<br />
de cost<strong>as</strong> e deixo os dedos dos pés para o alto, sentindo a água salgada envolver<br />
meu cabelo. Fico boiando por muito tempo, pensando em tudo que aconteceu.<br />
— Seu personagem favorito ainda é Ted Improdutivo — digo para mim<br />
mesma, e estico os braços e <strong>as</strong> pern<strong>as</strong>, lambo o sal da boca e deixo a água<br />
preencher meus ouvidos.<br />
M<strong>as</strong> você não é Ted Improdutivo, Wrigley ou nenhum outro personagem de O<br />
ceifador de chicletes. Você não é Booker nem o sr. Graves nem June nem seus pais<br />
nem ninguém que ainda conhecerá. Você é Nanette O’Hare — e tudo bem, porque<br />
sua existência representa seu caminho e sua história, e de mais ninguém.<br />
Eu me pergunto onde estará Alex. Tenho um pouco de pena, porque a<br />
história dele chegou ao fim — ou será que ele está aqui em espírito de alguma<br />
forma? Quer dizer, se o pai dele falou a verdade sobre <strong>as</strong> cinz<strong>as</strong>, Alex está aqui na<br />
água comigo. E quem pode ter certeza se nossa história acaba quando morremos?<br />
Talvez Alex esteja mesmo em outro lugar. M<strong>as</strong> onde? Esses pensamentos me<br />
deixam tonta, então tento me concentrar no brilho rosa-alaranjado do sol que<br />
desce no horizonte.<br />
Para onde foi o que restou de Alex?<br />
A personalidade?<br />
A risada?<br />
As idei<strong>as</strong> maluc<strong>as</strong>?<br />
A poesia?<br />
O sorriso?<br />
O cabelo fabuloso?<br />
A sede de justiça?<br />
A preocupação com os fracos?<br />
A humanidade?<br />
A teimosia trágica?<br />
Talvez tudo isso siga comigo, conforme sigo pelo tempo que me resta, penso, e<br />
então me ocorre mais um pensamento que me deixa atordoada.<br />
É provável que eu nunca saiba por que Booker escreveu O ceifador de chicletes,<br />
m<strong>as</strong> a existência desse romance mudou vid<strong>as</strong> e lhe permitiu ser feliz com Sandra<br />
Tackett, algo que Booker jamais teria previsto quando inventou o mundo de<br />
Wrigley. E talvez o principal não seja a motivação inicial, m<strong>as</strong> a participação:<br />
mostrar ao universo sua melhor versão, a mais autêntica, com vivacidade e de um