Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
não precisa do futebol — disse minha mãe, enfim.<br />
Minha mãe foi líder de torcida no colégio. Sempre tive a impressão de que ela<br />
acreditava que esse era o único lugar para garot<strong>as</strong> nos esportes, por isso aquela<br />
defesa era, na verdade, triste. Sem contar o sorriso que ela exibia: parecia que era<br />
um meio de desafiar meu pai na frente do meu treinador, de colocar em prova a<br />
m<strong>as</strong>culinidade dele.<br />
— Não é essa a questão — retrucou meu pai.<br />
E foi quando me dei conta de que meu relacionamento com ele iria piorar e<br />
que minha mãe tentava formar uma aliança comigo. Ao deixar para trás o<br />
futebol, eu estava cortando a única ligação real que tinha com meu pai, o que<br />
talvez explic<strong>as</strong>se por que ele estava tão chateado.<br />
(Mais tarde, Booker diria: “Bem, você não poderia p<strong>as</strong>sar o resto da vida<br />
jogando futebol, então esse momento de ruptura com seu pai era inevitável. Não<br />
se pode viver em função de outra pessoa. Em algum momento a gente explode, o<br />
que explica os palavrões que você saiu disparando como uma metralhadora.”<br />
Pelo menos ele me entendia.)<br />
— Você tem um compromisso com su<strong>as</strong> coleg<strong>as</strong> de time — disse o treinador,<br />
apontando o dedo na minha cara, do requintado conforto do sofá de couro<br />
branco dos meus pais. — Você <strong>as</strong>sumiu um compromisso comigo. Assinou um<br />
contrato.<br />
— O senhor sabe que tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> garot<strong>as</strong> do time desrespeitam a cláusula que<br />
proíbe o consumo de álcool? Vai p<strong>as</strong>sar na c<strong>as</strong>a de cada uma del<strong>as</strong> depois que<br />
sair daqui e repetir esse sermão? Posso dar os nomes d<strong>as</strong> que beberam com os<br />
ingleses que você contratou para treinar a gente… São tod<strong>as</strong>, menos eu! —<br />
contei, me surpreendendo de novo. Eu nunca tinha falado com o treinador<br />
daquele jeito. — M<strong>as</strong> você já sabe disso! Então não venha me falar de uma<br />
merda de contrato!<br />
O treinador olhou para meus pais, em um silencioso pedido de apoio.<br />
— Não fale <strong>as</strong>sim com seu técnico, Nanette — disse meu pai, muito<br />
obediente. — Não há necessidade de usarmos esses termos.<br />
— Vou deixar vocês resolverem o <strong>as</strong>sunto em família — disse o treinador,<br />
pálido, como se começ<strong>as</strong>se a sentir medo de mim. — Vejo você no treino<br />
amanhã, Nanette.<br />
Era a primeira vez que ele dizia meu nome inteiro. Foi um momento<br />
importante para mim. Ele respeitou minha vontade porque eu tinha algo que ele<br />
queria e do qual não abriria mão tão facilmente, só por isso. Foram muit<strong>as</strong> <strong>as</strong>