Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
102 Eduard Hanslick<br />
tão em si e criará a partir de si algo que não tem par na natureza e que<br />
por isso, e diferentemente <strong>da</strong>s outras artes, não é deste mundo.<br />
Não é de modo algum uma determinação parcial de conceitos quando,<br />
<strong>para</strong> o pintor e o poeta, incluímos o homem no “naturalmente belo”;<br />
pelo contrário, no caso do músico, silenciamos o canto que nasce sem<br />
arte do peito humano. O pastor que canta não é objecto, mas já sujeito<br />
<strong>da</strong> arte. Se o seu canto consta de sucessões sonoras mensuráveis<br />
e ordena<strong>da</strong>s, por simples que sejam, então é já um produto do espírito<br />
humano, quer o tenha inventado um pastorinho ou Beethoven.<br />
Quando, pois, um compositor utiliza reais melodias folclóricas, não<br />
se trata de algo naturalmente belo, pois deve retroceder até alguém que<br />
as inventou – onde é que ele as foi buscar? Encontrou <strong>para</strong> elas um<br />
modelo na natureza? Eis a pergunta justa. A resposta só pode ser negativa.<br />
O canto popular não é algo de preexistente, algo de naturalmente<br />
belo, mas o primeiro estádio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira arte, arte ingénua. Não é,<br />
<strong>para</strong> a música, um modelo produzido pela natureza, como também não<br />
são padrões naturais <strong>para</strong> a pintura as flores ou os sol<strong>da</strong>dos toscamente<br />
delineados em guaritas e celeiros. Ambos são produtos de arte humanos.<br />
Quanto às figuras de carvão, é possível mostrar os seus modelos<br />
na natureza; <strong>para</strong> o canto popular, não. Não se pode ir além dele.<br />
Chega-se a uma confusão muito corrente, quando se emprega o conceito<br />
de “tema” [material] <strong>para</strong> a música num sentido aplicado, superior,<br />
salientando que Beethoven compôs efectivamente uma abertura<br />
<strong>para</strong> Egmont ou – a fim de que a palavrinha “<strong>para</strong>” não recorde fins<br />
dramáticos – uma música Egmont, Berlioz um Rei Lear, Mendelssohn<br />
uma Melusina. Terão estas narrativas – pergunta-se – fornecido ao<br />
compositor o assunto, tal como ao dramaturgo? De modo nenhum.<br />
Para o poeta, estas figuras são um modelo real que ele transforma, ao<br />
passo que ao compositor apenas proporcionam um simples estímulo, e<br />
decerto um estímulo poético. Para o compositor, o belo natural deveria<br />
ser algo de acústico, como <strong>para</strong> o pintor é o visível, <strong>para</strong> o escultor o<br />
palpável. A figura, os feitos, as vivências e as disposições de ânimo<br />
de Egmont não constituem o conteúdo <strong>da</strong> abertura de Beethoven, como<br />
www.lusosofia.net<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐