Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 81<br />
com olhar acutilante. Quando eles crescem e aumentam ca<strong>da</strong> vez mais,<br />
quando diminuem, quando irrompem em júbilo ou, trémulos, se apagam,<br />
transportam esses entusiastas <strong>para</strong> um estado sensitivo indeterminado<br />
que eles, ingénuos, julgam puramente espiritual. Constituem o<br />
público mais “agradecido” e o apropriado <strong>para</strong> desacreditar com maior<br />
segurança a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> música. O seu ouvido é desprovido do indício<br />
estético <strong>da</strong> fruição espiritual; um bom cigarro, um pitéu picante,<br />
um banho morno fornece-lhes inconscientemente o mesmo que uma<br />
sinfonia. Desde aquele que fica tranquilamente sentado sem pensar em<br />
na<strong>da</strong> até ao arrebatamento hilariante de outro, o princípio é o mesmo:<br />
o prazer do elementar <strong>da</strong> música. A época actual trouxe, além disso,<br />
uma descoberta magnífica que supera de longe a música <strong>para</strong> os ouvintes<br />
que, sem qualquer activi<strong>da</strong>de espiritual, apenas buscam nela a<br />
sublimação sentimental. Referimo-nos ao éter sulfúrico. A narcose<br />
do éter provoca em nós um inebriamento agra<strong>da</strong>bilíssimo, progressivo,<br />
que vibra como um sonho doce através de todo o organismo – sem a<br />
vulgari<strong>da</strong>de do consumo de vinho, que também não deixa de ter o seu<br />
efeito musical 21 .<br />
21 Este modo de audição musical não é idêntico à alegria que, em to<strong>da</strong> a arte, o público<br />
ingénuo tem na sua parte meramente sensível, ao passo que o conteúdo ideal é<br />
apenas reconhecido pela compreensão de quem é cultivado. A concepção reprova<strong>da</strong>,<br />
não artística, de uma peça musical não realça a parte genuinamente sensível, a rica<br />
multiplici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s séries sonoras em si, mas a sua ideia total abstracta, percepciona<strong>da</strong><br />
como sentimento. Torna-se assim óbvia a posição altamente peculiar que, na música,<br />
o teor espiritual assume <strong>para</strong> com as categorias <strong>da</strong> forma e do conteúdo. Costuma<br />
ver-se o sentimento que imbui uma peça musical como o seu conteúdo, a sua ideia, o<br />
seu teor espiritual e, pelo contrário, as séries sonoras artisticamente produzi<strong>da</strong>s, determina<strong>da</strong>s,<br />
como a simples forma, a imagem, como a indumentária sensível <strong>da</strong>quele<br />
supra-sensível. Mas criação do espírito artístico é, de facto, a arte “especificamente<br />
musical” a que, na plena compreensão, se une o espírito intuitivo. É nestas produções<br />
sonoras concretas que reside o teor espiritual <strong>da</strong> composição, e não na vaga impressão<br />
total de um sentimento abstraído. A forma simples (a criação sonora) contraposta ao<br />
sentimento, como pretenso conteúdo, é justamente o ver<strong>da</strong>deiro conteúdo <strong>da</strong> música,<br />
é a própria música; ao passo que o sentimento suscitado não pode chamar-se nem<br />
conteúdo nem forma, mas efeito fáctico. De igual modo o elemento pretensamente<br />
material, representativo, é justamente o produzido pelo espírito, ao passo que o ale-<br />
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