Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 31<br />
Se a música fosse em si capaz de representar o recolhimento religioso<br />
como conteúdo, semelhante quid pro quo seria tão impossível como se<br />
o pregador recitasse no púlpito, em vez de uma exortação, uma novela<br />
de Tieck ou uma acta parlamentar.<br />
Vê-se que a música vocal, cuja teoria nunca pode determinar a essência<br />
<strong>da</strong> arte sonora, também não é capaz de desmentir na prática os<br />
princípios derivados do conceito <strong>da</strong> música instrumental.<br />
Ademais, a proposição que combatemos insinuou-se tão intimamente<br />
na concepção estético-musical corrente que também todos os<br />
seus descendentes e colaterais gozam <strong>da</strong> mesma imuni<strong>da</strong>de. Entre eles<br />
conta-se a teoria <strong>da</strong> imitação de objectos visíveis ou não musicalmente<br />
audíveis por meio <strong>da</strong> arte dos sons. Na questão <strong>da</strong> "música descritiva"[Tonmalerei<br />
– onomatopeia], assegura-se uma e outra vez, com<br />
uma prudência erudita, que a música de nenhum modo pode pintar os<br />
fenómenos alheios ao seu âmbito, mas apenas o sentimento que por<br />
eles em nós é despertado. Ocorre justamente o contrário. A música só<br />
pode imitar a aparência externa, mas nunca o sentir específico por ela<br />
provocado. Só posso pintar musicalmente a que<strong>da</strong> dos flocos de neve,<br />
o esvoaçar <strong>da</strong>s aves, o nascer do sol, produzindo impressões auditivas<br />
análogas pelo seu dinamismo a esses fenómenos. Na altura, na intensi<strong>da</strong>de,<br />
na veloci<strong>da</strong>de e no ritmo dos sons, oferece-se ao ouvido uma figura<br />
cuja impressão tem analogia com a impressão visual determina<strong>da</strong>,<br />
que reciprocamente podem alcançar sensações de género diverso. Assim<br />
como fisiologicamente um sentido pode, até certo ponto, substituir<br />
outro, assim também existe, no plano estético, uma certa substituição<br />
de uma impressão sensorial por outra. Visto que entre o movimento<br />
no espaço e no tempo, entre a cor, a delicadeza e a grandeza de um<br />
objecto e a altura, o timbre e a intensi<strong>da</strong>de de um som, impera uma<br />
analogia bem fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, pode de facto pintar-se musicalmente um objecto<br />
– mas pretender descrever com sons o "sentimento"que em nós<br />
desperta a neve que cai, o galo que canta, o ziguezague do relâmpago é<br />
simplesmente ridículo.<br />
Embora, se bem me lembro, todos os teóricos musicais sigam e<br />
www.lusosofia.net<br />
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