Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 87<br />
Contrapomos àquela emoção patológica a contemplação pura e consciente<br />
de uma obra musical. Esta, a contemplativa, é a única forma<br />
artística, ver<strong>da</strong>deira, <strong>da</strong> audição; perante ela, o afecto grosseiro do selvagem<br />
e o fanático do entusiasta <strong>da</strong> música formam uma só classe.<br />
À beleza corresponde um deleite, não o sofrimento, como apropria<strong>da</strong>mente<br />
indica o termo de “fruição artística”. Os sentimentais, perante<br />
a omnipotência <strong>da</strong> música, consideram heresia que alguém não tome<br />
parte nas revoluções e nos tumultos do coração, que eles encontram<br />
em to<strong>da</strong> a peça musical e de que sinceramente participam. Passa-se<br />
então por ser manifestamente “frio”, "insensível", "de natureza intelectual".<br />
Seja. É nobre e importante seguir o espírito criador, ver como<br />
ele abre diante de nós milagrosamente um novo mundo de elementos,<br />
como atrai estes elementos a to<strong>da</strong>s as relações recíprocas imagináveis<br />
e continua assim a edificar, a derrubar, a produzir e a aniquilar to<strong>da</strong><br />
a riqueza de um domínio que enobrece o ouvido, transformando-o no<br />
mais refinado e desenvolvido instrumento sensorial. Não é uma paixão<br />
pretensamente descrita a que nos arrasta à compaixão. Com espírito<br />
serenamente ledo, em fruição desapaixona<strong>da</strong>, mas íntima e entranha<strong>da</strong>,<br />
vemos diante de nós passar a obra de arte e celebramos no reconhecimento<br />
o que Schelling tão pulcramente chama “a sublime indiferença<br />
do belo” 24 . Este deleitar-se com o espírito desperto é a maneira mais<br />
digna, mais afortuna<strong>da</strong>, e não a mais fácil, de ouvir a música.<br />
O factor mais importante no processo anímico que acompanha a<br />
apreensão de uma obra musical e a transforma em fruição é o que mais<br />
frequentemente se passa por alto. É a satisfação espiritual que o ouvinte<br />
encontra no seguimento ou na antecipação contínua <strong>da</strong>s intenções<br />
do compositor, ao encontrar os seus palpites confirmados aqui, gratamente<br />
desenganados acolá. É evidente que esta corrente intelectual de<br />
um lado <strong>para</strong> outro, este contínuo <strong>da</strong>r e receber, se produz inconscientemente<br />
e com a rapidez do raio. Só proporcionará uma plena fruição<br />
artística a música que provoca e recompensa este seguimento espiritual<br />
que, de modo inteiramente peculiar, se poderia denominar um medi-<br />
24 Über <strong>da</strong>s Verhältniss der bildenden Künste zur Natur.<br />
www.lusosofia.net<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐