Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 83<br />
perdoar-lhe to<strong>da</strong> a soma 22 não é impelido de modo diferente do indivíduo<br />
que descansa e que um motivo de valsa arrasta de súbito e com<br />
entusiasmo <strong>para</strong> a <strong>da</strong>nça. O primeiro é sobretudo movido pelos elementos<br />
espirituais – harmonia e melodia; o segundo, pelo ritmo mais<br />
sensual. Nenhum dos dois actua por livre autodeterminação, nenhum<br />
é subjugado pela superiori<strong>da</strong>de espiritual ou pela beleza ética, mas em<br />
virtude de estímulos nervosos fomentadores. A música solta-lhes os<br />
pés ou o coração, exactamente como o vinho desprende a língua. Semelhantes<br />
vitórias revelam unicamente a debili<strong>da</strong>de do vencido.<br />
Sofrer afectos não motivados e desprovidos de meta e de tema mediante<br />
um poder que não se encontra em nenhuma relação com o nosso<br />
querer e pensar é indigno do espírito humano. Quando os homens se<br />
deixam de todo arrebatar em tão alto grau pelo elementar de uma arte<br />
que já não são capazes de acção livre, isso não constitui nem uma glória<br />
<strong>para</strong> a arte nem, menos ain<strong>da</strong>, <strong>para</strong> os próprios heróis.<br />
A música não tem de modo algum esta vocação, mas o seu intenso<br />
momento sentimental possibilita que seja fruí<strong>da</strong> em semelhante tendência.<br />
Eis o ponto em que radicam as mais antigas acusações contra a arte<br />
sonora: ela enervaria, debilitaria e seria um factor de moleza.<br />
Tal censura é mais do que ver<strong>da</strong>deira quando se pratica música<br />
como um meio de suscitação de “afectos indeterminados”, como alimento<br />
do “sentir” em si. Beethoven exigia que a música “pegasse fogo<br />
no espírito” do homem. Mas um fogo originado e alimentado pela<br />
música não viria, porventura, a restringir como um obstáculo o desenvolvimento<br />
do homem, na sua força de vontade e de pensamento?<br />
De qualquer modo, esta acusação contra a influência musical afigurase-nos<br />
mais digna do que o seu desmedido encómio. Assim como os<br />
efeitos físicos <strong>da</strong> música se encontram num relação directa com a irritabili<strong>da</strong>de<br />
doentia do sistema nervoso que lhes responde, assim aumenta<br />
a influência moral dos sons com a incultura do espírito e do carácter.<br />
Quanto menor a ressonância <strong>da</strong> cultura tanto mais veemente é o em-<br />
22 É o que se conta a propósito do cantor napolitano Palma e de outros (Anecdotes<br />
of music, by A. Burgh 1814.)<br />
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