Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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28 Eduard Hanslick<br />
dos sons nunca se pode se<strong>para</strong>r <strong>da</strong> <strong>da</strong>s palavras, <strong>da</strong> acção e <strong>da</strong> decoração<br />
com tanta exactidão que seja possível se<strong>para</strong>r estritamente a parte<br />
que cabe às distintas artes. Devemos até recusar peças musicais com<br />
determinados títulos ou programas, em que se trata do "conteúdo <strong>da</strong><br />
música". A união com a arte poética amplia o poder <strong>da</strong> música, mas<br />
não os seus limites.<br />
Na composição vocal temos perante nós um produto indivisivelmente<br />
fundido em que já não é possível determinar a grandeza dos factores<br />
individuais. Quando se trata do efeito <strong>da</strong> arte poética, a ninguém<br />
ocorrerá aduzir a ópera como prova; necessita-se de uma maior retractação,<br />
mas só <strong>da</strong> mesma compreensão, <strong>para</strong> fazer algo de semelhante<br />
nas determinações fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> estética musical.<br />
A música vocal ilumina o desenho do poema 2 . Nos elementos<br />
musicais reconhecemos cores <strong>da</strong> maior sumptuosi<strong>da</strong>de e delicadeza e,<br />
além disso, de significado simbólico. Transformarão talvez um poema<br />
medíocre em revelação íntima do coração. Contudo, não são os<br />
2 Podemos aqui utilizar como correcta esta conheci<strong>da</strong> expressão figura<strong>da</strong> em que,<br />
prescindindo de to<strong>da</strong> a exigência estética, se trata apenas <strong>da</strong> relação abstracta entre a<br />
música e o texto em geral e, por isso, <strong>da</strong> decisão de qual destes dois factores parte a<br />
determinação autónoma, decisiva, do conteúdo (objecto). Porém, logo que já não se<br />
trate do quê, mas do como <strong>da</strong> realização musical, aquela frase deixa de ser adequa<strong>da</strong>.<br />
O texto só é o principal, e a música o acessório, no sentido lógico (estamos quase <strong>para</strong><br />
dizer "jurídico"); a exigência estética imposta ao compositor vai muito mais longe, reclama<br />
a beleza musical independente (embora inseparável). Por conseguinte, quando<br />
já não se pergunta abstractamente o que a música faz, ao tratar as palavras do texto,<br />
mas como o deve fazer no caso concreto, já não se pode banir a sua dependência do<br />
poema <strong>para</strong> os mesmos limites estreitos, como o desenhador assinala ao colorista.<br />
Desde que Gluck, na grande reacção necessária contra os excessos melódicos dos<br />
italianos, regressou, não ao justo meio, mas atrás dele (exactamente como Richard<br />
Wagner faz nos nossos dias), repete-se sem cessar a frase conti<strong>da</strong> na dedicatória de<br />
Alceste, segundo a qual o texto é "o desenho correcto e bem executado"que a música<br />
apenas tem de colorir. Se esta última não trata o poema num sentido muito mais grandioso<br />
do que no mero sentido do colorir, se – ela própria ao mesmo tempo desenho<br />
e cor – não traz algo de totalmente novo que, com a peculiaríssima força <strong>da</strong> beleza,<br />
transforma as palavras em simples trepadeira, então conseguiu, quando muito, o grau<br />
do exercício estu<strong>da</strong>ntil ou a alegria do diletante, mas nunca o puro cimo <strong>da</strong> arte.<br />
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