Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
68 Eduard Hanslick<br />
ante uma exposição mais longa, e um quadro por meio de uma reflexão<br />
deti<strong>da</strong>, apesar de estes dois, em vantagem perante a música, disporem<br />
de todo o âmbito de ideias <strong>da</strong>s quais o nosso pensamento sabe que dependem<br />
os sentimentos de prazer ou dor. A influência dos sons não<br />
só é mais rápi<strong>da</strong>, mas também mais directa e intensa. As outras artes<br />
convencem-nos, a música assalta-nos. Este seu poder peculiar sobre o<br />
nosso ânimo experimentamo-lo com particular intensi<strong>da</strong>de quando nos<br />
encontramos num estado de maior excitação ou depressão.<br />
Em estados anímicos em que nem quadros nem poemas, nem estátuas<br />
nem edifícios são capazes de despertar a nossa atenção participante,<br />
a música terá, no entanto, ain<strong>da</strong> poder sobre nós, e tê-lo-á ain<strong>da</strong><br />
em maior grau do que habitualmente. Quem tem de ouvir ou executar<br />
música numa disposição de ânimo dolorosamente agita<strong>da</strong> sente-a<br />
como vinagre numa feri<strong>da</strong>. Nenhuma arte consegue então lacerar tão<br />
profun<strong>da</strong> e agu<strong>da</strong>mente a nossa alma. A forma e o carácter do que é<br />
ouvido perdem então completamente o seu significado, e quer se trate<br />
de um adágio sombrio ou de uma valsa faiscante, não conseguimos<br />
desenvencilhar-nos dos seus sons – não sentimos mais a obra musical,<br />
mas os próprios sons, a música como um poder informe e demoníaco,<br />
que arremete ardorosamente com olhos enfeitiçados contra os nervos<br />
de todo o nosso corpo.<br />
Quando Goethe, em i<strong>da</strong>de muito avança<strong>da</strong>, experimentou de novo<br />
o poder do amor, despertou nele ao mesmo tempo uma sensibili<strong>da</strong>de,<br />
nunca antes conheci<strong>da</strong>, <strong>para</strong> a música. Escreve a Zelter (em 1823),<br />
acerca desses maravilhosos dias de Marienbad: “Ingente o poder que,<br />
nestes dias, a música exerce sobre mim! A voz <strong>da</strong> Milder, a sonori<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Szymanovska, e até as exibições públicas do corpo de caçadores<br />
local, abrem-me, como gentilmente se deixa abrir um punho fechado.<br />
Estou inteiramente convencido de que ao primeiro compasso <strong>da</strong> tua<br />
academia de canto teria de deixar a sala.” Demasiado sensível <strong>para</strong><br />
não reconhecer a grande participação <strong>da</strong> excitação nervosa neste fenómeno,<br />
Goethe termina com estas palavras: "Curar-me-ias de uma irritabili<strong>da</strong>de<br />
doentia que, no fundo, se deve olhar como a causa <strong>da</strong>quele<br />
www.lusosofia.net<br />
✐<br />
✐<br />
✐<br />
✐