Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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82 Eduard Hanslick<br />
Para semelhante concepção, as obras <strong>da</strong> arte sonora contam-se entre<br />
os produtos naturais cuja fruição nos pode arrebatar, mas não obrigarnos<br />
a pensar, a pensar segundo um espírito conscientemente criador. O<br />
doce aroma de uma acácia pode inalar-se mesmo com os olhos fechados,<br />
sonhando. Mas recusam-se a tal os produtos do espírito humano, a<br />
não ser que tenham de descer ao nível de estímulos naturais sensíveis.<br />
Em nenhuma outra arte é isto possível em tão alto grau como na<br />
música, cuja vertente sensorial permite, pelo menos, um deleite desprovido<br />
de espírito. Já o seu desvanecimento, enquanto as obras <strong>da</strong>s<br />
restantes artes persistem, se assemelha de modo crítico ao acto <strong>da</strong> consumpção.<br />
Não se pode sorver um quadro, uma igreja, um drama, mas sim<br />
uma ária. Por isso, também a fruição de nenhuma outra arte se presta a<br />
semelhante serviço acessório. Podem executar-se as melhores composições<br />
como música de mesa e facilitar a digestão de faisões. A música<br />
é, ao mesmo tempo, a arte mais importuna e também a mais indulgente.<br />
Não pode deixar de se ouvir o mais miserável órgão de rua que se posta<br />
diante <strong>da</strong> nossa casa, mas não há necessi<strong>da</strong>de de escutar sequer uma<br />
sinfonia de Mendelssohn.<br />
Destas considerações depreende-se facilmente a correcta avaliação<br />
dos chamados “efeitos morais” <strong>da</strong> música, que autores mais antigos<br />
com tanta preferência realçam como brilhante par dos efeitos “físicos”,<br />
mencionados no primeiro artigo. Visto que em tal caso não se frui a<br />
música, nem sequer remotamente, como algo de belo, mas se percepciona<br />
como grosseira força elementar que induz a uma acção irreflexiva,<br />
encontramo-nos perante o exacto contrário de todo o estético. Além<br />
disso, é evidente o que estes efeitos pretensamente “morais” têm de<br />
comum com os reconheci<strong>da</strong>mente físicos.<br />
O credor importuno que, pelo canto do seu devedor, é levado a<br />
ga<strong>da</strong>mente representado, o efeito sentimental, é inerente à matéria do som e segue<br />
leis em boa metade fisiológicas.<br />
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