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Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia

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<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 59<br />

Eis o que também esquecem os nossos cantores que, nos momentos<br />

de maior emoção, arrojam ao falar frases e julgam assim ter <strong>da</strong>do à<br />

música um maior enaltecimento. Esquecem que a transição do canto<br />

<strong>para</strong> o falar é sempre um declínio, do mesmo modo que o mais alto<br />

som do falar normal ressoa sempre mais profundo ain<strong>da</strong> do que os sons<br />

de to<strong>da</strong> a música, ao passo que o pequeno grupo que, atendo-se ao ponto de vista<br />

superado <strong>da</strong> beleza, luta por exigências puramente estéticas, estabelece certos limites<br />

<strong>para</strong> a sua admiração. Como é de adivinhar, trata-se sobretudo do Final, já que quanto<br />

à beleza, embora não imacula<strong>da</strong>, dos três primeiros movimentos dificilmente surgirá<br />

uma discussão entre ouvintes atentos e pre<strong>para</strong>dos. Neste último movimento, nunca<br />

conseguimos ver mais do que uma sombra gigantesca projecta<strong>da</strong> por um gigantesco<br />

corpo. Pode compreender-se e reconhecer-se perfeitamente a grandiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ideia<br />

de trazer à reconciliação o ânimo solitário, solitário até ao desespero, na alegria de<br />

todos, e não obstante achar pouco bela a música do último movimento (em to<strong>da</strong> a<br />

sua genial peculiari<strong>da</strong>de). Conhecemos muito bem o juízo condenatório geral em que<br />

incorre tal opinião particular. <strong>Um</strong> dos mais subtis e completos eruditos <strong>da</strong> Alemanha,<br />

que em 1853 empreendeu combater no A. Allgemeine Zeitung o pensamento básico<br />

formal <strong>da</strong> Nona Sinfonia, reconheceu por isso mesmo a necessi<strong>da</strong>de humorística de<br />

se declarar a si mesmo, já no título, como “cabeça estreita”. Elucidou a enormi<strong>da</strong>de<br />

estética que envolve o desembocar de uma obra instrumental de vários movimentos<br />

num coro, e com<strong>para</strong> Beethoven a um escultor que aprontasse pernas, corpo, peito,<br />

braços de uma figura em mármore incolor, mas coloreasse a cabeça. Deveria supor-se<br />

que todo o ouvinte sensível sentisse o mesmo mal-estar na irrupção <strong>da</strong> voz humana,<br />

”porque aqui, de um golpe, a obra de arte altera o seu centro de gravi<strong>da</strong>de, ameaçando<br />

derrubar o ouvinte”.<br />

Pelo contrário, o Dr. Becher, que poderá aqui surgir como representante de uma<br />

classe inteira, chama ao quarto movimento, num tratado sobre a Nona Sinfonia, publicado<br />

em 1843, ”a emanação <strong>da</strong> geniali<strong>da</strong>de de Beethoven absolutamente incomensurável<br />

com qualquer outra obra sonora existente, pela peculiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> configuração,<br />

pela magnificência <strong>da</strong> composição e pelo ousadíssimo ímpeto dos pensamentos singulares”,<br />

asseverando que, <strong>para</strong> ele, esta obra surge “com o Rei Lear de Shakespeare<br />

e, porventura, uma dezena de outras emanações do espírito humano, na sua máxima<br />

potência poética, na cadeia dos Himalaias <strong>da</strong> arte, superando qual pico de Dhavalagiri,<br />

os seus companheiros de igual nascença”. Como quase todos os seus colegas<br />

de opinião, Becher oferece uma descrição muito pormenoriza<strong>da</strong> do significado, do<br />

“conteúdo” de ca<strong>da</strong> um dos quatro movimentos e do seu profundo simbolismo – mas<br />

não menciona a música nem sequer com uma única sílaba. Isto é sumamente característico<br />

de uma escola inteira de crítica musical, que gosta de se esquivar à questão de<br />

se uma música é bela, com profun<strong>da</strong>s meditações sobre o que de grande ela significa<br />

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