Do Belo Musical. Um Contributo para a Revisão da ... - LusoSofia
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<strong>Do</strong> <strong>Belo</strong> <strong>Musical</strong> 15<br />
sos avós puderam ter esta série sonora por uma expressão adequa<strong>da</strong><br />
justamente deste afecto.<br />
Ca<strong>da</strong> época, ca<strong>da</strong> civilização traz consigo um ouvir diferente, um<br />
sentir diverso. A música permanece a mesma, mu<strong>da</strong> tão-só o seu efeito<br />
com o ponto de vista cambiante do preconceito convencional. Além<br />
disso, as peças instrumentais com motes ou títulos específicos indicam,<br />
entre outras coisas, com que facili<strong>da</strong>de e prontidão se deixa enganar o<br />
nosso sentir, com os mais pequenos artifícios. Nos mais superficiais<br />
trechos pianísticos, onde na<strong>da</strong> há, "mero na<strong>da</strong>, <strong>para</strong> onde se viram os<br />
meus olhos", depressa surge a tendência <strong>para</strong> reconhecer a "nostalgia<br />
do mar", "à noite, antes <strong>da</strong> batalha", o "dia de Verão na Noruega"e outras<br />
absurdi<strong>da</strong>des que tais, se a porta<strong>da</strong> tiver apenas a ousadia de aduzir<br />
o seu pretenso conteúdo. Os títulos proporcionam ao nosso representar<br />
e sentir uma orientação que, com demasia<strong>da</strong> frequência, atribuímos ao<br />
carácter <strong>da</strong> música, uma creduli<strong>da</strong>de contra a qual se não pode assaz<br />
recomen<strong>da</strong>r a brincadeira de uma mu<strong>da</strong>nça de título.<br />
O efeito <strong>da</strong> música sobre o sentimento não tem, portanto, nem a<br />
necessi<strong>da</strong>de nem a constância nem, por fim, a exclusivi<strong>da</strong>de que um<br />
fenómeno deveria apresentar <strong>para</strong> conseguir fun<strong>da</strong>mentar um princípio<br />
estético.<br />
Não queremos de todo subestimar os próprios sentimentos fortes<br />
que a música desperta <strong>da</strong> sua letargia, todos os estados de ânimo doces<br />
ou dolorosos em que ela nos embala, semi-sonhadores. Entre os<br />
mistérios mais formosos e salubres conta-se precisamente o facto de<br />
a arte poder suscitar tais emoções sem causa terrena, como quem diz,<br />
por graça divina. Opomo-nos somente à utilização acientífica destes<br />
factos em prol de princípios estéticos. É certo que a música pode suscitar,<br />
em alto grau, o prazer e o pesar. Mas não os produzem, talvez<br />
em maior grau ain<strong>da</strong>, a obtenção <strong>da</strong> sorte grande ou a doença mortal<br />
de um amigo? Se hesitamos em contar um bilhete de lotaria entre as<br />
sinfonias ou um boletim médico entre as aberturas, também não há que<br />
tratar os afectos efectivamente produzidos como uma especiali<strong>da</strong>de estética<br />
<strong>da</strong> arte dos sons ou de uma determina<strong>da</strong> peça musical. Interessa,<br />
www.lusosofia.net<br />
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