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Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros ... - ceapp

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que procurar seus brinque<strong>do</strong>s e apanhá-los, quase sempre dava bom trabalho. Enquanto<br />

procedia assim, emitia um longo e arrasta<strong>do</strong> ‘o-o-o-ó’, acompanha<strong>do</strong> por expressão <strong>de</strong> interesse<br />

e satisfação. Sua mãe e o autor <strong>do</strong> presente relato concordaram em achar que isso não<br />

constituía uma simples interjeição, mas representava a palavra alemã ‘fort‘. Acabei por<br />

compreen<strong>de</strong>r que se tratava <strong>de</strong> um jogo e que o único uso que o menino fazia <strong>de</strong> seus<br />

brinque<strong>do</strong>s, era brincar <strong>de</strong> ‘ir embora’ com eles. Certo dia, fiz uma observação que confirmou<br />

meu ponto <strong>de</strong> vista. O menino tinha um carretel <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com um pedaço <strong>de</strong> cordão amarra<strong>do</strong><br />

em volta <strong>de</strong>le. Nunca lhe ocorrera puxá-lo pelo chão atrás <strong>de</strong> si, por exemplo, e brincar com o<br />

carretel como se fosse um carro. O que ele fazia era segurar o carretel pelo cordão e com muita<br />

perícia arremessá-lo por sobre a borda <strong>de</strong> sua caminha encortinada, <strong>de</strong> maneira que aquele<br />

<strong>de</strong>saparecia por entre as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo ‘o-o-<br />

ó’. Puxava então o carretel para fora da cama novamente, por meio <strong>do</strong> cordão, e saudava o seu<br />

reaparecimento com um alegre ‘da‘ (‘ali’). Essa, então, era a brinca<strong>de</strong>ira completa:<br />

<strong>de</strong>saparecimento e retorno. Via <strong>de</strong> regra, assistia-se apenas a seu primeiro ato, que era<br />

incansavelmente repeti<strong>do</strong> como um jogo em si mesmo, embora não haja dúvida <strong>de</strong> que o <strong>prazer</strong><br />

maior se ligava ao segun<strong>do</strong> ato.<br />

A interpretação <strong>do</strong> jogo tornou-se então óbvia. Ele se relacionava à gran<strong>de</strong> realização<br />

cultural da criança, a renúncia instintual (isto é, a renúncia à satisfação instintual) que efetuara<br />

ao <strong>de</strong>ixar a mãe ir embora sem protestar. Compensava-se por isso, por assim dizer, encenan<strong>do</strong><br />

ele próprio o <strong>de</strong>saparecimento e a volta <strong>do</strong>s objetos que se encontravam a seu alcance. É<br />

naturalmente indiferente, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> ajuizar a natureza efetiva <strong>do</strong> jogo, saber se a<br />

própria criança o inventara ou o tirara <strong>de</strong> alguma sugestão externa. Nosso interesse se dirige<br />

para outro ponto. A criança não po<strong>de</strong> ter senti<strong>do</strong> a partida da mãe como algo agradável ou<br />

mesmo indiferente. Como, então, a repetição <strong>de</strong>ssa experiência aflitiva, enquanto jogo,<br />

harmonizava-se com o <strong>princípio</strong> <strong>de</strong> <strong>prazer</strong>? Talvez se possa respon<strong>de</strong>r que a partida <strong>de</strong>la tinha<br />

<strong>de</strong> ser encenada como preliminar necessária a seu alegre retorno, e que neste último residia o<br />

verda<strong>de</strong>iro propósito <strong>do</strong> jogo. Mas contra isso <strong>de</strong>ve-se levar em conta o fato observa<strong>do</strong> <strong>de</strong> o<br />

primeiro ato, o da partida, ser encena<strong>do</strong> como um jogo em si mesmo, e com muito mais<br />

freqüência <strong>do</strong> que o episódio na íntegra, com seu final agradável.<br />

Nenhuma <strong>de</strong>cisão certa po<strong>de</strong> ser alcançada pela análise <strong>de</strong> um caso isola<strong>do</strong> como esse.<br />

De um ponto <strong>de</strong> vista não preconcebi<strong>do</strong>, fica-se com a impressão <strong>de</strong> que a criança transformou<br />

sua experiência em jogo <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a outro motivo. No início, achava-se numa situação passiva, era<br />

<strong>do</strong>minada pela experiência; repetin<strong>do</strong>-a, porém, por mais <strong>de</strong>sagradável que fosse, como jogo,<br />

assumia papel ativo. Esses esforços po<strong>de</strong>m ser atribuí<strong>do</strong>s a um instinto <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação que<br />

atuava in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> a lembrança em si mesma ser agradável ou não. Mas uma outra<br />

interpretação ainda po<strong>de</strong> ser tentada. Jogar longe o objeto, <strong>de</strong> maneira a que fosse ‘embora’,<br />

po<strong>de</strong>ria satisfazer um impulso da criança, suprimi<strong>do</strong> na vida real, <strong>de</strong> vingar-se da mãe por

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